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    Reis e réus [16 +]

    Mr. Mudkip
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    Mensagem por Mr. Mudkip 09.02.12 23:06

    Olá a todos!!!

    Começando uma fic em três partes para vocês. Espero que curtam. Uma fic mais adulta e com acontecimentos mais agéis e emocionantes. Comentem!!!


    REIS E RÉUS


    Parte I


    - Vamos acertar o rei onde mais dói. – entre as sombras, um ser esbravejava blasfêmias aos seus homens. – Sua cabeça será exposta em praça pública para os corvos arrancarem suas vísceras podres. – os urros malignos ressoavam pela parede de granito bruto moldando um cenário tenebroso entre as brasas da fogueira fervilhante.

    O homem se aproximou das chamas evidenciando seus dentes amarelados, agarrou uma tocha e lançou contra os olhos de um possível espião em suas tropas, queimando-lhe as órbitas. Ele berrou descontroladamente, lutando para escapar dali. Em meio ao seu desespero um machado acertou-lhe o crânio transbordando um líquido escarlate de sua pele flácida.

    - Eu não desejo que vocês tenham o mesmo destino. – ele se virou para o corpo inerte, cuspindo em sua face enquanto pisava em suas costas com malevolência. – Aquele que ousar me trair... – o som de ossos se partindo entre os músculos tomou conta dos ouvidos de todos ali presentes. – Pior do que aguarda o nosso tão amado rei, será seu castigo.

    ***

    - Henrique. – em passos elegantes uma moça de olhar encantador pousou seus braços no peito rígido do jovem senhor, assim como seu rosto desgostoso de preocupações que ela nunca iria saber. Não de sua boca.

    - Há muito não me chama assim. – ele pressionou seus lábios aos dela consumando um sentimento avassalador nascido em sua infância, o mais puro que ele conheceu. – Está querendo algo?

    Ele pousou um olhar duvidoso que logo desapareceu ao ver a reação furiosa da bela dama.

    - Sabe que estou preocupada. – ela abraçou o ventre que guardava o que o rei tanto esperava ser o herdeiro do reino. – As ameaças ao nosso povo crescem em uma velocidade que não sei como podemos impedir que a desgraça tome conta de nossa família.

    Ele evitou o olhar de sua amada, para não inquietá-la e por conveniência ocultar seu desalento com as últimas notícias.

    - Prometo que farei o que tiver ao meu alcance para mantê-los seguros, Feria. – ele acalentou seus cabelos dourados, resplandecentes a luz da manhã. – E estendo minha promessa ao meu povo, que deposita sua fé no seu rei.

    - O meu amado rei. – ela deslizou os dedos por seus ombros robustos, repousando ali no metal frio de sua ombreira de cobre, umedecendo-a com suas lágrimas silenciosas.

    ***

    Mesmo nesta época negra e sem perspectivas, a guarda real estava à procura de novos serviçais para a princesa mor, a primeira filha do rei, uma criança mimada e egoísta. Os burburinhos contavam de suas habilidades extraordinárias, capazes de feitos inimagináveis. Uma feiticeira, filha do próprio mal, nascida em berço real, mas amaldiçoada pelos inimigos do rei. Não que eu acreditasse nessas bobagens na época, um garoto petulante, achando-se superior a qualquer coisa.

    Os mais fervorosos seguidores da nova religião apedrejavam ou mutilavam os pagãos que espalhavam tais palavras. Cortavam-lhes a língua jogando ao fogo para queimar junto ao inferno com suas almas. Eu queria fugir desses conflitos, apenas viver minha vidinha pacata. Arrumar uma boa esposa para gerar nossos filhos e outras para me divertir quando estivesse aborrecido com as dificuldades desta vida.

    - Eu quero aquele! – envolta por enormes homens em armaduras brilhantes e vistosas, uma menina de cara azeda apontou para mim. Uma ação desajuizada a unir à realeza com a ralé desse reino.

    Desesperado em saber qual seria meu destino se fosse colocado dentro do castelo para servi-la, corri por entre as vielas de pedras imundas com uma mistura de dejetos humanos e animais pelos cantos esperando chegar aos braços de minha mãe.

    Ao cruzar a rota para o mercado de especiarias, fui surpreendido por um guarda, puxando-me violentamente pelo cabelo.

    - NÃÃÃÃÃOOOO!! – não havia o que fazer. Nunca mais iria ver minha família. Desgraçada pela miséria, como se não bastasse retiraram o único filho a sobreviver da morte certa. Escapar de injúrias cruéis: pragas, enfermidades, fome, são eventos aos quais aqueles que ousam sobreviver a esse mundo cruel são obrigados a enfrentar.

    - Criança. – a menina fixou seu olhar contra o meu e imediatamente me calei.

    Preso a grossas correntes, caminhei desolado pela estrada de acesso ao castelo, rastejando-me como um moribundo. O que me reservava ali era muito além do que eu poderia imaginar para um reles servo de uma princesa fútil.





    Preview Parte II

    "Dos antigos aos novos tempos, o Rei sempre busca os segredos nas profundezas do Reino. O confronto ao poder real e sobrenatural é a esperança para a vitória, contudo há nébulas embaçando certos pontos... - o clérigo anuncia o princípio de trevas em suas visões e assim temendo o fim, procura consultar os espíritos do monte leste enviando preces de que estivesse errado sobre o futuro, embora soubesse que nunca falhara em suas visões."


    Última edição por Mr. Mudkip em 03.03.12 20:17, editado 1 vez(es)
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    Mensagem por Mr. Mudkip 19.02.12 0:23

    Olá, a segunda parte de REIS E RÉUS para vocês. Espero que curtam. A parte III eu posto em breve, ok!


    REIS E RÉUS

    Parte II


    - Ower, esse é seu nome? – descuidadamente, o homem com a barba suja de gordura analisava minhas condições físicas. Puxou meus lábios para verificar os dentes e me liberou em seguida, empurrando-me para a escada. – Pegue as roupas e se vista.

    Acatei as ordens, vestindo as roupas desajeitadamente. Ainda tremia com o frio do lugar, fechado e sem a luz do sol para aquecer as rochas frígidas, restando apenas pequenas frestas iluminadas, permitindo saber que era dia. O musgo crescia pelas bordas em odores fétidos, úmidos, depois do meu desespero ao me tratarem como um animal e ser banhado em água gélida como a neve em tempos de inverno, aguardando neste poço escuro e frio.

    Planejei em meu íntimo uma forma de me vingar. Minha vontade era suprimida as vontades de uma pirralha de vestido impecável. Não importava se ela era filha do rei. Uma menina mimada e sem coração, capaz de fazer isso comigo, merecia pagar pelas minhas mãos.

    As roupas exalavam um aroma de camélias recém-colhidas impregnando-se no meu nariz, acalmando-me. Antes de ser retirado de meus pais eu trabalhava no campo nas colheitas dos chefes das terras férteis, estes nomeados pelo rei em cartas assinadas com seu selo real. Há pouco, a safra de flores terminara, mas aquele cheiro ficaria para sempre na minha memória. Os campos ficavam perfumados com um aroma doce e suave, que agora percebia eram colocados nas roupas da nobreza para que cheirassem bem.

    Depois de me vestir, o homem colocou as correntes novamente e assinalou para o alto. Eu caminhei vagarosamente chegando a uma sala oval com um corredor repleto de janelas enferrujadas. A luz transpassava meus olhos doídos, cegando-me as vistas. As correntes continuavam a cortar meu tornozelo gerando bolhas de sangue, a estourar a todo minuto, manchando o chão cinza de vermelho.

    - Venha logo! – o homem com impaciência pegou meu braço e forçou a caminhada ao outro lado do castelo.

    O piso de pedras esfriava meus pés abrandando a dor que as feridas causavam. Pela janela, guerreiros treinavam no pátio com espadas sem brilho, forçando as armas contra os troncos de madeira.

    - Chegamos garoto. – ele puxou o portão de ferro e mandou que eu entrasse.

    Acatei com apatia, chegando a um quarto simples, com uma cama no canto e um pequeno baú de madeira.

    - Esse será o seu quarto. – o homem retirou as correntes e segurou em meus ombros. – Meu filho, eu sei que esta descontente com isso, mas terá uma boa vida aqui. Melhor do que imagina.

    - Eu... – minha voz saiu esganiçada como um silvo de uma coruja velha.

    - Mais tarde uma moça virá cuidar dessas feridas. Mantenha-se leal ao rei Henrique Galeans e seus aliados e não terá com o que se preocupar. É o único conselho ao qual ouso lhe dar.

    Ele olhou em meus olhos arredios e saiu sem mais dizeres.

    Momentos depois, em um estalo a porta se abriu, trazendo uma menina maltratada com as vestes sujas de sabão, carregando uma bolsa de pano surrada.

    - Fique quieto. – a menina ajoelhou-se próximo aos meus pés, observando a pele em carne viva sem demonstrar emoção em seu rosto. – Pode arder um pouco. – ela colocou uma mistura de ervas nas mãos, esfregando-as umas as outras passando nas feridas.

    Permaneci em silêncio, esperando a menina terminar os curativos e sair. Deitei no chão frio, e adormeci ali. Sonhei com o choro de meus pais ao saber da notícia de perder seu único filho vivo. A minha face seca, incompatível a dor do meu coração, chorava por dentro, feito uma criança medrosa.

    Os dias passaram rapidamente. Nesse tempo fiquei entocado no quarto até que as feridas cicatrizassem me sentindo um inútil. Não me considerava um trabalhador, embora tivesse prazer em ser proveitoso as outras pessoas. Saber que a força de meus braços pode ajudar, grato por não ter o corpo inválido, ou a alma de um vadio.

    No ócio desses dias, eu podia ouvir pessoas falarem a toda hora, conversas perigosas a serem ditas tão abertamente.

    Comentários traiçoeiros ao rei rondavam pelos corredores. Acreditava ser natural por estarmos em tempos de guerra e de pouca esperança de derrotarmos nossos inimigos. Os poderosos falcões do norte, vindos das fronteiras das colinas altas nas sebes. Tinham os melhores arqueiros já vistos. Os hawkeye, como eram conhecidos, eram certeiros com suas flechas banhadas em venenos poderosos, capazes de derrubar o homem mais forte do nosso exército combalido.

    Percebia agora as palavras do barbudo impaciente. O rei precisava de pessoas leais a sua volta. Se eu provasse meu valor, poderia ser bem recompensado, talvez conseguisse minha liberdade de volta. Ainda não conhecia as intenções da princesa ao me escolher para servi-la, mas não me importava. Ela retirara-me do conforto de meu lar e jamais a perdoaria por seu ato cruel.

    Minha raiva estava mais contida, possível de moldar e escondê-la dos outros. Iria usá-la no momento certo. Seria paciente.

    - Garoto levante-se! – o barbudo apareceu de súbito. – Vou te mostrar o castelo. A princesa quer vê-lo e ela não suporta atrasos. Ande!

    Corri afoito pela porta trombando na parede, esfolando a testa.

    - Vamos às dependências do castelo e depois falamos com a princesa.

    - Certo.

    - Finalmente falou com voz de homem! – o barbudo riu debochadamente. – Parecia uma menina quando chegou aqui.

    - Não sei seu nome senhor. – ignorei o insulto. Fazia parte dos meus planos fingir lealdade ao nosso rei Henrique.

    - Georgeus, chefe de caça. Vim ao castelo assim como você. Precisavam de jovens para aprender a caçar e levar carne boa e de qualidade para a realeza. No começo fiquei um pouco perdido, mas tenho levado uma boa vida aqui. Tenho tudo o que preciso, e você meu jovem também pode ter. Basta saber o lado certo.

    Andamos por várias dependências do castelo, conhecendo o interior da colossal morada de pedras da família real até desembocarmos em um ponto obscuro e enigmático.

    - Que lugar é esse? – inconscientemente, aproximei-me da atraente escuridão.

    - O lar do clérigo. – Georgeus disse dramaticamente. – Não gosto dele. Um homem amarrado e amargo com qualquer coisa.

    Mais a frente, um ser de vestes nobres e vistosas observava uma clarabóia desfigurada. Seu rosto carrancudo afastava qualquer aproximação. Um homem de olhar misterioso, olhando tão fixamente para a peça enegrecida, fazendo-me crer que via algo ao qual eu nunca conseguiria ver.

    - Melhor irmos garoto. Ele não é muito solicito com visitas indesejadas. E não é para menos.

    - E qual o motivo? – aquele homem atiçava minha curiosidade.

    - Quando jovem retiraram sua masculinidade. Um ato execrável! – Georgeus enrolou a ponta da barba em seus dedos gordos, evitando olhar onde não queria. – O clérigo tinha uma noiva, diziam ser a mais bela do povoado. Iam se casar, mas houve um ataque. Bandoleiros saquearam a aldeia, e ao encontrá-la... Bom, o que posso dizer... Eles estupraram-na até a morte na sua frente. E como se não fosse o bastante, arrancaram-lhe as partes para deixá-lo morrer.

    - Só assim para um homem deixar suas vontades. – fui pragmático, irritando Georgeus.

    - Queria ver se isso fosse com você.

    - Não foi. – disse categoricamente. – Mas se tivesse sido... Preferia morrer.

    - Mas ele sobreviveu, e se tornou um homem invejável, de certa forma. – Georgeus parecia temer aquele pobre homem.

    - O que ele tem de especial? – ele me intrigava, e precisava saber o motivo.

    - Tem o dom de falar aos espíritos e usar sua força para benefício do rei. – não havia entendido o que aquilo significava, e Georgeus nem se preocupou em explicar. Provavelmente desconhecia os detalhes. – Nasci e vivi como um cético, mas ao ver o clérigo em ação, eu passei a acreditar em seu poder, claro... Somente após de ver com meus próprios olhos. Um homem assustador.

    - Gostaria de ver. – disse com um sorriso malicioso. – Um clérigo?! Hum... Mas e a princesa?

    - Parece que ambos são perigosos. Cada um a sua maneira. – Georgeus puxou meu braço para me afastar dali. – Vamos embora, antes que ele se zangue.

    Me desvencilhei facilmente de sua mão. Ignorando suas palavras me aproximei do sombrio clérigo, chamando sua atenção.

    - O que quer aqui? – ele levantou o rosto magro e fundo azedamente.

    - Conhecê-lo.

    - Você zomba de mim com isso. – ele ergueu-se apoiado ao seu cajado prateado.

    - Perdão! – Georgeus criou coragem para se aproximar. – Meu senhor, sabe como são os jovens.

    - Pensa que não sei de suas intenções. – o clérigo bradou raivosamente. – Sumam daqui!

    Envolto ao clérigo, serpeavam névoas azuladas trovejantes, ameaçando nos golpear.

    - Sim meu senhor. – Georgeus falou me puxando para fora.

    Saí do lugar com as pernas bambas, maravilhado com aquilo. A tão temida magia.

    Georgeous apertou meu braço, fazendo-me um pequeno castigo por desobedecê-lo.

    - Não te mando pro calabouço agora, somente porque a princesa Tea quer vê-lo.

    - Para um homem do seu tamanho, ter medo de um magricela capado e uma menina de vestido, verdade seja dita... Eu esperava mais.

    - Insolente. – Georgeus me jogou no chão, acertando-me um chute nas partes íntimas. – Se soubesse o que eles são teria mais respeito. Você não passa de um tolo! E levante-se logo.

    Demorei um pouco para recuperar o controle de minhas pernas, para acompanhar Gergeous até um enorme salão. À frente, o símbolo do rei bordado sob a flâmula vermelha tomava conta da parede. Em marrom, a figura de um cervo estampava elegância aos selos arcanos anexados em suas formas, me distraindo. Abaixo, duas cadeiras vistosas, banhadas a ouro, acolchoadas com as mais macias espumas do reino, convidativas e extremamente confortáveis.

    A princesa aguardava em pé com um vestido rodado pomposo e repleto de fitas e babados cor de rosa ao lado do que presumi ser um guerreiro. Vestido em uma armadura prateada brilhante, refletia sua imponência e bravura.

    - Vossa majestade! – Georgeus curvou-se ao ver sua princesa.

    - Hora, vamos! Levante-se homem. – a garota falou com austeridade. – Sem rodeios. Ainda quero sair para a cidade antes que anoiteça.

    - Sim, sim. – ele levantou-se rapidamente. – O garoto está aqui.

    Georgeus me puxou para frente dele.

    - O que acha dele, Auran? – ela olhou para o homem de armadura.

    - Sinceramente, um mero aldeão. – sua voz firme e segura me impressionou.

    - Exatamente. – a princesa riu desdenhando. – Eu os trouxe aqui para informá-los de minha decisão. – o guerreiro parecia tão surpreso quanto eu. – Quero que ele seja meu protetor, e você Auran irá fazê-lo para mim.

    - Minha senhora, longe de mim ser indelicado, mas vai levar anos até ele aprender o caminho de um guerreiro.

    - Eu sei. Porém, somente ele me serve. – ela aproximou-se de mim, e eu continuei imóvel em sua presença. – E você Auran está encarregado de torná-lo um guerreiro tão bom quanto... Você. O campeão do rei deve ser capaz de treinar um bom guerreiro, acredito eu. – ela pousou um olhar de dúvida sobre Auran.

    - Farei o que me ordena. – Auran concordou imediatamente.

    - Ótimo, a menos... – a princesa esquadrinho-me de cima a baixo. – Você por acaso prefere o caminho do clérigo meu jovem tolo.

    - Como?- ela conseguia ver dentro de minha cabeça?

    - Como eu sei de suas aventuras pelo castelo, meu jovem inocente? – a princesa me abraçou pelas costas, sussurrando em meu ouvido – Eu vejo tudo... Eu sempre sei tudo. Então retire esses sentimentos tolos e traiçoeiros a minha pessoa. Não irá funcionar. Você não pode ver, mas estamos ligados. – ela apertou meu pescoço, deixando-me sufocado. – E detesto essa pequena coisa. Porém, eu não sou capaz de mudar isso, e por essa razão, ao menos quero que você tenha alguma utilidade para mim. – ela me liberou e se pôs ao lado de Auran.

    - Se você deseja assim... – falei pausadamente.

    - Assim está bem melhor. Agora vou me retirar. Tenho de me aprontar para fazer compras. Auran, ele é todo seu agora. – ela correu com dificuldade por conta do vestido enorme, saindo pelo portal lateral.

    - Sim. – ele tinha um olhar frustrado por ter de acatar tal ordem.

    - O que aquela garota é? – disse abobalhado.

    - Venha comigo. – Auran ignorou minha pergunta. – Você só voltará a vê-la quando se tornar um guerreiro. E quanto antes começarmos, mais cedo termina esse fardo que terei de carregar.

    ***

    - Os inimigos avançaram pelo leste, senhor. – novas notícias preocupantes assolavam meus ouvidos, incomodando minha mente fadigada.

    - Mande reforços pelo norte. A muralha de Ic Brans ainda mantém os inimigos a mercê de nossos ataques, sofrerá menos com a perda de infantaria.

    O mensageiro preparou o recado a ser enviado, encaminhando-a com o porta-voz.

    - Preciso me retirar por um momento. – disse aos conselheiros de guerra.

    Eles assentiram ao ver meu estado deplorável. Mal conseguia dormir, vítima do cansaço e já era convocado a essas reuniões emergenciais para tomar decisões estratégicas do nosso exército.

    Nesse momento, só conseguia pensar em uma coisa. Feria estava prestes a trazer meu herdeiro. Tinha de juntar forças para manter um reino para meu filho governar. A reunião estava longe de terminar, mas apenas isso ocupava meus pensamentos. Caminhei pelos corredores do castelo até uma pequena sala, onde as palavras eram reconfortantes ao vir de um bom amigo.

    - Conei, como é bom vê-lo aqui. – o abracei fortemente. – Quando voltou?

    - Agora a pouco meu rei. – ele disse duramente. – Tive de consultar os espíritos perto dos montes de Le Cotar, me certificar de certos assuntos.

    Conei, meu velho amigo, tornara-se o clérigo a servir a mim, o rei. Passara por sérias dificuldades, ficando endurecido com a vida e as pessoas. Eu me sentia em dívida por suas perdas, e não descansaria até acabar com os responsáveis por retirar sua alegria.

    - Preciso de sua sabedoria, meu amigo. – disse quase como súplica. – A situação piora a todo instante. Todas as minhas ações são destroçadas por aqueles gaviões.

    - Há mais a se preocupar, meu rei. – Conei apontou para o céu, procurando sinais de mudança. – Infelizmente não trago boas notícias, embora traga esperança para uma reviravolta.

    - Diga-me então.

    - Eu lhe mostrarei. – ele estendeu a mão para mim.

    Ao segurá-la, vozes rugiram diretamente em minha cabeça, retumbando claramente entre elas, a profecia de Conei.

    - Dos antigos aos novos tempos, o Rei sempre busca os segredos nas profundezas do Reino. O confronto ao poder real e sobrenatural é a esperança para a vitória, contudo há nébulas embaçando certos pontos... - o clérigo anuncia o princípio de trevas em suas visões e assim temendo o fim, procura consultar os espíritos do monte leste enviando preces de que estivesse errado sobre o futuro, embora soubesse que nunca falhara em suas visões. Banhou-se no riacho próximo, consultando os espíritos da água, informando-lhe de algumas possíveis localizações, rumores circulados por entre os tempos.

    Nos liberamos da ligação sobrenatural ao nos soltarmos. Eram essas experiências incomuns e assustadoras, inimaginaveis a alguns anos, que me traziam sentimento de vitória contra nossos inimigos. Se eu não as vivesse, diria se tratar de loucura, a cada encontro com Conei e minha filha mais velha eu as sentia fluir dentro de meu corpo e alma. Eu já sabia onde deveria ir para obter o meu objetivo.

    - Devo partir até o coração do reino e conseguir a chave para a vitória. Mesmo que custe minha vida.

    - Correto.

    - O que me diria ser esses pontos obscuros de sua visão?

    - Podem ser tantas coisas, como também podem não ser nada. Decifrar as pistas do futuro com os espíritos do início e do fim podem ser tudo e nada ao mesmo tempo.

    - Creio mais na primeira opção, meu amigo. – sorri com tristeza ao perceber o temor de más notícias ressurgirem. – Me dói ter de partir nesse momento, contudo para salvar nosso reino da destruição eu sacrificarei a oportunidade de ver meu herdeiro para lhe garantir a terra a que governar.

    - Quem irá ocupar o seu lugar em sua ausência?

    - Pensei em minha filha... – uma opção descartada, apesar de me parecer a melhor escolha. – Mas aqueles velhos do conselho não permitiriam. Eles não confiam em vocês. Deverá ser Auran ou você meu velho amigo. Como eles decidem, Auran tomará conta de tudo em minha ausência.

    - Ainda assim você tentará. – Conei abriu um sorriso tímido.

    - Com toda certeza. – me despedi de meu velho e sofrido amigo, voltando para a companhia de velhos antiquados.

    “Quatro anos depois...”




    Preview Parte III:

    "Qual é a sensação de sentir o fogo penetrar em suas entranhas, meu rei? - o homem gritou descontrolado, repuxando a espada incandescente no corpo do rei. - Diga a todos como é queimar em febre pela minha mão.

    - Não se fere um rei a ferro e fogo, eu não desejaria o fogo e a febre a um rei, pois irá se arrepender profundamente disso. - bradei em nome de minha senhora. Protegeria a vida de seu pai, em sinal de lealdade do rei ao réu. - Vou dizimar seu exército.

    - Um homem contra um exército. Não me faça rir! Será apenas mais uma vítima lutando em nome do rei."
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    Mensagem por Mr. Evil 19.02.12 1:22

    Nunca sei direito o que comentar em one-shots ou em fics com poucos capítulos, para ser sincero, mas realmente gostei, achei bastante interessante.
    Porém, admito que achei a 1ª parte deveras pequena e que alguns detalhes poderiam ter sido melhor detalhados, mas a história em si me prendeu, definitivamente.
    Não encontrei erros, novamente, parabéns em relação a isso.
    No aguardo da parte final, e bom trabalho, a fic está ótima, acredito.
    õ/
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    Mensagem por Mr. Mudkip 06.03.12 20:41

    Bom, ai está a parte final de Reis e réus, espero que curtam.

    Mr. Evil, essa fic surgiu na minha cabeça ouvindo a música Reis do novo cd da Maria Gadú, e resolvi escrever, nem pesquisei nada ou procurei algum tema pra me inspirar. Tem até um trecho da música na fala de um personagem, kkk. Era pra ser uma one-shot e na verdade é, só dividi em três partes pra enrolar um pouco por não ter o que postar enquanto não termino meus roteiros. Bom é isso.

    Estou terminando alguns roteiros de fics e one shots e em breve eu posto, ok. As fics serão "Pokémon Ree laii", retornando a história e "Série experimental", uma fic mais descompromissada e com menos fantasia e mais realidade, e a one-shot é "Expedição ao Monte Prata", mostrando a primeira grande descoberta arqueológica de Isis Gast, antes de se juntar a Julliane Cerule na fic Pokémon Ree laii, e falando nessa fic e em Mitologue, minha preguiça de refazer os roteiros está desaparecendo e irei continua-las em breve com alterações, é claro.

    Até breve! E comentem.



    REIS E RÉUS

    Parte III



    Enclausurada neste castelo anos se passaram, restando como mero capricho observar pela clareira da porta e somente aguardar. Esperar o momento, o instante em que surgirá à sombra do meu amado rei para salvar-me de minha própria monotonia.

    Nosso prometido herdeiro já caminhava para todo canto, curioso para descobrir o mundo, desbravar as fronteiras e desfrutar de experiências únicas, obrigando a estar alerta a todo instante. Era certo, cuidar de uma criança exigia demasiada vigilância, consumindo meus pensamentos apenas para ele, mas... Nos poucos momentos de descanso, eu me conectava a Henrique tentando imaginar onde os seus passos o levavam. Ele perdera a oportunidade de conhecer o nosso filho, embora soubesse, o fizera para o nosso bem, e de todo o reino.

    - Mama! – meu garotinho debruçou-se alegremente em meu colo, apontando seu cavalo de madeira.

    - Luiz, meu príncipe! – o ergui acima de minha cabeça, rodopiando amistosamente.

    Ele riu maravilhado com a brincadeira, sem temer nada. Era valente como o pai, e seria um grande rei como Tea me contara com ele ainda em meu ventre, neste mesmo quarto.

    “Mamãe, meu irmãozinho será como o papai. O homenzinho que ele tanto pediu, sairá como ele. Um homem digno de ser um grande rei e subir ao trono e prosseguir o seu reinado de glórias.”

    Luiz me encantava com seus olhos mais escuros que a noite sem luar, os cabelos anelados e volumosos, bem parecidos com os meus, de um amarelo vívido. Um garoto perfeito e lindo. Meu príncipe iria dar orgulho ao pai e continuidade ao seu nome.

    - Minhas preces foram ouvidas.

    - Mamãe! – Tea adentrou pelo quarto sem cerimônias, interrompendo minha corujisse. O vestido balançava ao ritmo de seu corpo.

    Tea sempre teve uma presença marcante e não nego que já tive medo de minha própria filha. Ela carrega dentro de si, coisas ao qual eu desconheço completamente, mas mesmo sem compreender claramente, percebi, nos ajudaram a manter o povo leal ao rei e principalmente, trouxeram tranquilidade ao castelo.

    Eu sabia dos rumores contados sobre ela; machucavam meu pobre coração de mãe, inquietada com a sua segurança em suas seguidas andanças pela cidade, temerosa da reação das pessoas maledicentes. Divulgavam histórias feitas, baseadas em delírios fantasiosos de que minha filha seria um demônio disfarçado perambulando pela realeza ocultando-se no corpo de uma frágil criança para destruir o reino de dentro para fora, a começar pelo rei e seu herdeiro. Conversas infundadas, jogadas por nossos inimigos para enfraquecer a confiança conquistada solenemente pela atuação do clérigo e de minha amada e poderosa filha. É difícil aceitar, sem ela e o clérigo, Henrique não conseguiria... Poderíamos estar nas mãos de nossos opositores.

    - Estou entediada. – Tea disse por fim, enquanto Luiz remexia nos laços a prender sua saia rodada.

    - Minha filha, eu não acho que tenha mais idade para andar com esse tipo de vestimenta. – Tea estava para passar dos quinze aos dezesseis anos, um momento propício para se casar. – Incondiz com sua idade. Tantas fitas e babados, parece um pacote de embrulho pra presente, assim os rapazes da nobreza irão afastá-la como fazem a filha do duque de Braeds.

    Arrepios percorreram meu pescoço ao relembrar a figura lamentável daquela menina.

    - Sabe bem de minhas responsabilidades. Jamais sairei do castelo e deixar meu pai carregar esse fardo sozinho. – Tea pegou Luiz pelos braços e o fez dar voltas. – E nenhum desses rapazes da nobreza me são interessantes. Não os suporto! Tolos, isso é o que eles são.

    Preferi não discutir. Tea fora uma criança feia, mimada e mal criada. Por conta de suas capacidades privilegiadas não tinha limites e tratava a todos de forma degradante. Diversas vezes tive de interceder em suas ações.

    Agora, uma moça feita, encantava por sua beleza. Perdera aquela feição azeda e esnobe, restando o que há de mais belo a uma mulher. A doçura e delicadeza de uma dama. Ainda tinha essa personalidade forte e selvagem, e sabidamente afugentando os homens. Contudo eu rezo todos os dias que me apareça um homem bom capaz de domá-la e provenha de boa família, é claro.

    - Você não é como as outras princesas. Jamais iria ser consultada em um conselho de guerra se não fosse os seus... Bem! – ela arqueou as sobrancelhas ao me ver quase falar abertamente sobre um tabu. – Seu pai lhe disse que você é livre para fazer o seu destino, embora eu acredite, você precisa ter um marido para lhe dar proteção e filhos, para manter o nome de nossa família.

    - Quer que eu fique ainda mais entediada? – Tea cansou-se de brincar com Luiz e veio sentar-se perto de mim. – Os homens não me interessam mamãe. Seus pensamentos se resumem a, como posso explicar, são tão nojentos, e sequer conseguem... – Tea embaraçou-se toda ao falar. – No máximo alguns possuem algo de interessante.

    - Quais seriam esses rapazes interessantes? – pousei meu dedo em seu nariz. – Você nunca me conta o que eles pensam. Fico curiosa.

    - Nem queira. – Tea suspirou, arrancando uma lágrima involuntária. – Às vezes gostaria de não saber tudo. A ignorância pode ser uma benção. Mal sabem os ignorantes a dádiva que receberam de Deus.

    Agarrei sua mão, por não saber o que lhe dizer e de alguma forma poder confortá-la de suas angústias.

    - O que... – gaguejei inconscientemente, há anos fugia desse assunto. – Você vê?

    Ela postou uma feição surpresa e descrente de minha extrema ousadia. Rapidamente se recompôs, sorrindo vividamente, como se nada tivesse acontecido.

    - Onipresença... – Tea fechou os olhos úmidos, concentrando-se. – Eu consigo estar em todos os lugares ao qual eu queira. Um pensamento e ali estou. Rostos e lugares desconhecidos, em poucos segundos ouso dizer me são mais familiares do que a uma pessoa a passar da infância a velhice nesse lugar. Embora nem sempre eu fique satisfeita. Vivenciar sem realmente sentir os sentimentos, as pessoas, o suor do trabalho, o amor entre eles, e também, porque não, as árvores, a água, o ar, o clima, a chuva a respingar em suas faces, o sabor das gotas de orvalho pela manhã, o fogo a cozer os alimentos, o calor humano, as amizades, realmente sentir a vida em toda a sua plenitude, ver com o olhar de cada uma dessas pessoas ao qual pude conhecer mesmo que dessa forma. Isso eu sou incapaz de fazer.

    - Então... – eu corei ao imaginar as possibilidades. – Pode ver qualquer coisa?

    - Sim, posso ver inclusive as intimidades. – ela riu ao ver meu espanto. – Embora me dê náuseas. – Tea se adiantou a mim, garantindo que odiava ver tais cenas, mudando completamente de assunto. – Alguns me incomodam... Atos cruéis e inescrupulosos, cenas ao qual jamais desejei ver ainda repousam em minhas memórias. Vingança, ódio, poder, ganância. Já vi esses sentimentos de tão perto. Atormentam, consomem e retiram minha esperança na humanidade. Sempre me vejo tentando inutilmente deter tragédias que causam tamanhos sofrimentos.

    Pela primeira vez, pude ver o fardo exposto na face de Tea, desnuda de disfarces. Uma tristeza aterradora e sem perspectivas.

    - Ainda que... – ela liberou um sorriso e brilho no olhar, logo em seguida. – Haja alegria em meio a dor, a união a formar a lealdade plena e convicta nas verdadeiras amizades, o amor a preencher e esvair a agonia guardada no coração dos homens aqui e além desse muro de pedras. Eu pude ver pessoas de bem doarem o que tem de melhor em prol de outros. – Luiz puxava meu braço com insistência, e Tea o mostrou o sol resplandecente se pondo pelas montanhas através do vitral, deixando-o maravilhado. – A luz e a escuridão, não coexistem separadas. Mesmo após a noite mais fria, escura e medonha, o dia surge trazendo o calor, o fulgor e a beleza, nos fazendo acreditar em um final feliz. Acredito nisso piamente, do fundo de minha alma. – Tea observou o pátio, onde treinavam os futuros guerreiros da guarda real.

    - E esse glorioso dia virá com a volta do rei?

    Tea riu, levantou-se e saiu sem se despedir.

    - Teeeeea! – Luiz tentou correr para ela, mas suas pernas eram demasiado pequenas atrapalhando-o todo.

    ***

    “Você não pode ver, mas estamos ligados.”

    Essas palavras permaneceram em meu coração por todos esses anos, e me vi interessado em entender o significado delas. Muitas vezes, vi ao longe a princesa mor caminhar pelos corredores do castelo, evidenciando seu cabelo dourado esvoaçante a cada passagem e algumas vezes, tive a sensação de ela me observar. Nessas raras ocasiões, sentimentos difíceis de explicar surgiam em mim, impossíveis de serem contidos. Ódio, rancor e até alegria em saber de sua proximidade, a facilitar a minha vingança.

    - Ower, concentre-se! – Auran girou a espada em minha direção, e por reflexo defendi usando o cabo da espada. – Firme-se em batalha. Mantenha-se atento.

    Auran era um guerreiro esplêndido, mas há algumas semanas nós sabíamos, eu me tornara superior a ele. Seus movimentos eram arriscados, embora previsíveis. Incapaz de planejar ataques elaborados e eficazes acabava por se prender em seu próprio jogo. Cansado desse marasmo, decidi por finalmente me unir a princesa mor e cumprir o meu destino. Derrotar Auran era a tarefa necessária para isso acontecer, o prometido por ela naquele fatídico dia.

    Bloqueei o braço direito de Auran com minhas mãos, obrigando-o a me atacar para tentar afastar-se. Antes de qualquer ação, aproximei a lâmina da espada no pescoço de Auran, ameaçando cortar-lhe a garganta. Ele sorriu, como se confirmasse que o seu discípulo ultrapassou suas expectativas e espantado pela minha frieza.

    - Finalmente liberou seu potencial. – Auran afastou a espada de sua pescoço, felicitando-me pela conquista. – Chegou o momento de se reunir com a princesa Tea e protegê-la de todos os perigos que surgirem com a sua vida. – ele estava aliviado em cumprir as ordens da princesa. No fundo, ele jamais esperou o guerreiro surgir de um mero aldeão.

    - Mais ainda. – desabafei com esperança.

    Auran abraçou-me, crendo ter em minhas palavras intenções nobres e puritanas em relação à princesa.

    - Ela decidirá. – nem mesmo o entusiasmo nato de Auran me pareceu verdadeiro agora.

    - O rei é quem sempre tem a última palavra, não é mesmo? – observei Auran enquanto adentrava os corredores de acesso ao salão, onde meu palpite dizia, a princesa mor me aguardava ansiosa. Dei um último olhar para Auran reafirmando os dizeres de um velho ranzinza, por mais que se esforçasse Auran seria sempre um peão.

    - Finalmente... – entre as sombras um vulto caminhava em movimentos dificultosos nas batidas de sua bengala.

    - Alguém resolveu sair da toca? – disse sarcasticamente. – Não tem medo de alguém entrar naquela pocilga que chama de santuário.

    - Ainda não melhorou esses modos, sua criança tola. Aliás, me importunar e roubar meus segredos não foram problema antes, me preocupo apenas com você xeretando... – O clérigo pousou sua carcaça envelhecida sob a parede. – Cof! Cof!

    - Deveria repousar, e evitar passeios desnecessários pelo castelo. – sorri maliciosamente.

    - Seu moleque! – ele esbravejou. – Sua alma repleta de talentos poderia ter sido criada sem essa crítica mordaz e irritante.

    - Daí você teria me escorraçado como fez com todos os outros. – ele revirou os olhos concordando.

    - Você tem toda a razão, aliás, sempre tem, e isso me mata.

    Sorrimos um para o outro, e decidi me aproximar, meio desconcertado, puxando-o em um abraço de agradecimento.

    - Velho, muito obrigado. Seus ensinamentos permeiam bem aqui. – apontei para a minha cabeça e sinalizei para o coração. – Você me fez enxergar e conviver com o impossível. Ver além de meus olhos.

    - Vamos seu tolo sentimentalista. – ele pigarreou puxando o choro. – A princesa irá mandá-lo ao inferno, e nem por isso você se afasta dela.

    - Ela me disse uma pequena frase naquele salão, e só poderei sumir das vistas da princesa ao saber... – as palavras ditadas daquele rosto azedo da menina repetiam-se em meus pensamentos.

    “Você não pode ver, mas estamos ligados.”

    - Só cabe a você, Ower, e somente a você o destino de sua vida. – a face envelhecida e ressecada de Conei transmitia certa compaixão.

    O tempo fora ácido a Conei, desde a primeira vez em que o vi até o presente momento. Ele não iria durar muito mais nessa terra e parecia feliz com isso. Estava aliviado ao repassar os seus ensinamentos adiante a um jovem que considerava de valor e aguardando para se despedir deste mundo, onde ele era um mero peão camuflado de bispo, ou melhor, clérigo.

    - Há muito tempo as rédeas do meu destino são comandadas por outra pessoa.

    O clérigo surpreendeu-se com a resposta, permanecendo silencioso por entre as sombras tentando conectar os fios do destino a unir-me a princesa, discutindo as possibilidades com os espíritos do vento.

    Voltei a caminhar rumo ao salão principal, ignorando o velho sábio para me juntar a princesa e em breve ao rei, oferecendo-me em julgamento. O réu enfim identificou-se e lançou a primeira jogada para o xeque-mate, onde o “rei” não era a peça vital para a conclusão do jogo.

    - Já não era sem tempo. – a voz doce repousou em meus ouvidos na minha chegada ao grande salão, acalentando minhas ideias.

    O brasão dos Galeans permanecia na enorme flâmula entre as vidraças iluminadas, enchendo de luz o salão e o belo rosto da princesa de cabelos dourados.

    - Esse foi o tempo necessário para conseguir lhe servir com o mínimo de dignidade. – ajoelhei-me a sua presença, mais como forma de irritá-la do que por respeito. – O seu escudeiro está pronto.

    A princesa aproximou-se de mim. Envolveu seus braços sobre a minha cabeça, recostando o busto em minha face. Aromas adocicados exalavam de sua pessoa, anestesiando meu ódio.

    - Dentre os meus feitos egoístas, talvez esse me seja o mais doído. – a princesa soluçou, e então percebi os meus cabelos sujos serem lavados pelas lágrimas de seu choro. – Mas não posso fugir disso.

    - Vai me lançar como escudo para seu pai... Foi para esse momento, por isso me escolheu. – a princesa desabou em meus braços, abraçada a mim.

    Senti o calor de seu corpo junto ao meu, e decidi então tê-lo para mim, não sem antes cumprir o desejo de minha princesa, ou talvez não.

    ***

    - Que o sangue derramado hoje, seja dos malditos falcões! – gritei ao meu esquadrão na primeira linha de ataque contra os lendários arqueiros do norte.

    Em meio aos gritos de guerra, saraivadas de flechas percorreram o céu em nossa direção. Bloqueamos a investida com nossos escudos de estanho, mas os falcões eram certeiros, acertando alguns de nossos guerreiros.

    - Em frente! – estendi a espada contra o inimigo, alertando a primeira ofensiva de nosso exército.

    Um a um, meus homens eram abatidos pelas flechas, caindo pelo campo de batalha, mortos. Alguns até conseguiram vencer a barreira quase intransponível dos arqueiros, contudo obtiveram pouco progresso, em questão de segundos, desfaleceram pela lâmina da espada inimiga.

    Corpos mutilados e encharcados de sangue se amontoavam, montando o cenário para a morte do meu reino. Cair aos desígnios dos falcões. Seria esse o destino reservado para meu povo?

    Meu exército fora dizimado em poucas horas, a única solução foi fugir com os sobreviventes para evitar a morte certa. Covardemente, retrocedemos nossos passos, rumo à vergonha e a derrota.

    Seguimos pela floresta, rumo a uma campina de capim alto, onde havia uma velha ferraria abandonada. Dali poderíamos nos unir ao esquadrão oeste e tentar confrontá-los novamente. Meus homens estavam abalados, tínhamos de adquirir reforços para ganhar confiança.

    - O que aconteceu meu amado rei? – fomos surpreendidos em uma emboscada repentina por soldados do hawkeye.

    Nosso pequeno grupo criou uma defesa circular protegendo nossas costas, esperando o ataque inimigo.

    - O seu orgulho é tão grande. – o homem de olhar maligno apertou o cabo de seu machado, lançando-o no homem ao meu lado, dilacerando a fronte. – Veremos até onde ele vai... – ele sinalizou para que os outros falcões acabassem conosco.

    Meus companheiros eram mortos sem misericórdia, restando somente a mim. Tentando retirar o meu orgulho, decidiram por manter-me vivo preso em um cercado para porcos, enlameado e repleto de dejetos fedorentos.

    - Vejamos o que farei com o homem considerado o grande rei desta era. – a inveja saltava dos olhos do homem de face amarelada, irradiando sentimentos opressivos e tenebrosos, afetando-me silenciosamente. De algum modo eu sabia, aquele homem era extremamente perigoso e jamais poderia obter o poder para suas mãos. As consequências poderiam ser desastrosas. – Você morrerá pelas mãos do futuro governante de suas terras e jamais saberá quem foi esse homem. Não é maravilhoso? – o homem gargalhou com ferocidade.

    - Um louco sem humanidade jamais poderá ser um bom rei. – Estava nervoso e frustrado. Acabei me precipitando e falando sem pensar. Eu passara anos em expedições por tumbas e labirintos confusos procurando os segredos arcanos dos antigos, mas não obtive mais do que algumas antiguidades sem valor. Cheguei a cair em armadilhas poderosas. Eu vi o caos se criar em meio à mata, nos atacando e impedindo o avanço por alguns lugares.

    Meu velho amigo clérigo poderia ter se enganado pela primeira vez, ou então as nébulas em suas visões embaralharam a verdade e me impediram de encontrar a chave para a vitória. Ele se negou veementemente a me acompanhar e fui obrigado a desistir e lutar com as armas que eu possuía.

    - E acha mesmo que você é tão bom assim? Seu reino paira em desgraça e fome e nem vê! – Retornei minha atenção procurando manter a serenidade e não avançar contra as fuças daquele imbecil. Se fosse astuto, poderia escapar da morte pelas mãos dos falcões, e por isso resolvi me calar e consentir as afrontas.

    Ele continuou por mais algum tempo a me jogar ofensas e insultos, mas desistiu ao se deparar com o meu silêncio.

    Ele reuniu-se com alguns de seus homens e adentrou o barracão. Enquanto o homem vasculhava por ali, observei a movimentação dos soldados próximos, esperando uma chance de surpreendê-los.

    - Olha o que temos aqui... – eles puxavam uma espécie de bacia de ferro enferrujada e suja de fuligem para fora do barraco bem próximo a mim. – Encontrei um pequeno agrado. - o homem sorriu, mostrando seus dentes apodrecidos.

    Ao começarem a aquecer a peça metálica, compreendi do que se tratava e temi o fim ao qual pretendiam me dar.

    - Irei fazer você sentir a dor de seu povo. As doenças que assolam essa região. A febre mortal de suas crianças. O calor dilacerante percorrendo o corpo desses pobres infelizes.

    O homem pousou a espada no metal quente, deixando-a mais ardente que as chamas do inferno, ameaçando a todo o momento lançá-la contra mim, e inevitavelmente me assustando.

    Os subordinados daquele homem estavam incomodados com tamanha crueldade. Dar uma morte digna a um inimigo era uma espécie de princípio para qualquer ser humano, mas o que eu via ali era um sádico pronto a me ver agonizar.

    Após se contentar com a alta temperatura da espada, ele olhou para mim, amarrado, encurralado, indefeso e humilhado. Fincou a espada em meu abdômen sem pestanejar. Senti a carne de meu corpo queimar e se consumir, deixando um cheiro horripilante de borracha queimada no ar. A dor era tremenda a ponto de perder a consciência por certos instantes.

    ***

    - Qual é a sensação de sentir o fogo penetrar em suas entranhas, meu rei? - o homem gritou descontrolado, repuxando a espada incandescente no corpo do rei. - Diga a todos como é queimar em febre pela minha mão.

    - Não se fere um rei a ferro e fogo, eu não desejaria o fogo e a febre a um rei, pois irá se arrepender profundamente disso. - bradei em nome de minha senhora. Protegeria a vida de seu pai, em sinal de lealdade do rei ao réu. - Vou dizimar seu exército.

    - Um homem contra um exército. Não me faça rir! Será apenas mais uma vítima lutando em nome do rei.

    - Não luto pelo rei, seu hawkeye imundo! – disse ferozmente, deixando o general dos falcões intrigado.

    Os soldados começaram a aparecer a minha volta, armados e preparando-se para me atacar.

    - As caravelas começarão a aportar em suas terras, e uma multidão de falcões irá destruir tudo, acabar com esse reinado tortuoso e criar uma nova era. – ele continuou a repuxar a espada sem piedade. – A mudança chegará ao seu reino e você não poderá fazer nada!

    - O fluxo que separa a mudança trazida pelos falcões não é muito diferente da que o rei pode proporcionar. – o homem rugiu exasperado ao ouvir o que eu disse. – Você se ilude ao se julgar superior a ele, assim como as preces feitas pelos desafortunados, ecoando sem destino além mar, fazem parte da mesma essência. Pairam igualmente no vácuo tornando-se a mesma coisa. Seu corpo terá o mesmo destino de todos os outros, se tornar cinzas e retornar a terra. Não importa os feitos, as obras deixadas, tudo acaba em morte, não é mesmo?

    Reconheci alguns soldados do castelo, mesmo que não fossem amigos ou próximos a mim, eram pessoas conhecidas e machucava vê-los mortos a céu aberto, o sangue ressecado em suas feridas abertas, as moscas pousando por todo lado, o cheiro insuportável embrulhando meu estômago.

    - Acabem com esse falastrão. – ordenou o homem, voltando a se divertir em sua tortura ao rei.

    Os soldados obedeceram à ordem voltando-se contra mim. Retirei um terço negro produzido a partir de penas de corvos apodrecidos, iniciando um mantra assombroso.

    - Que essa terra receba seus corpos com gentileza. – disse ao fim da oração.

    Ergui o terço para o céu, evocando as almas da noite em um turbilhão tenebroso, consumindo a vitalidade daqueles homens, esvaindo a vida de seus corpos, restando apenas um receptáculo vazio.

    - O que você é? – o torturador visivelmente abalado, sequer conseguiu se mexer.

    - Um mero ser humano como você. – apontei o terço em sua direção e uma revoada de espíritos negros avançou contra o homem. – Mais uma peça desse jogo, simplesmente o cavalo. – disse simplesmente.

    Ele caiu sob a bacia de metal fervente, queimando os músculos e vísceras, fritando em seu próprio ódio incontrolável. Evitei olhar a morte merecida daquela pobre alma.

    Guardei o terço maldito e corri para salvar o “rei”. Os cortes estavam cauterizados pela espada fumegante, seria difícil curá-lo com feridas tão singulares.

    Segurei um brasão moldado com folhas e gravetos de salgueiro, transmitindo minha energia para o pai da princesa.

    Os ferimentos não se fechavam, por mais que eu tentasse e forçasse minhas habilidades. O rei iria desfalecer se eu não me prontificasse com urgência. Seus sinais vitais desapareciam a cada segundo, e só me restava uma alternativa. Uma única opção para mantê-lo vivo para poder ter a oportunidade de conhecer seu filho e reencontrar sua família.

    - Necessito de um sacrifício. – acabei por dizer ao meu íntimo. – O clérigo estivera o tempo todo correto em suas visões. O inferno chegou pelas mãos da princesa e por ela eu iria me sacrificar.

    Suspirei estarrecido com minhas conclusões finais. Morreria sem entender as intenções da princesa e provavelmente sem perceber as minhas próprias ações a me aproximar dela.

    - Talvez eu não tenha realmente compreendido. – a princesa apareceu a minha frente como uma miragem.

    - Te...a. – a quimera em minha cabeça mostrou-se na verdade ser a figura da princesa realmente. – Estamos ligados, como você me disse?

    - Sim. – ela segurou minha mão em seu peito e senti as batidas de seu coração. Estavam sincronizados perfeitamente ao do meu coração. – Dois em um. A rainha e o cavalo protegendo o falso rei, somente mais um peão, para manter meu pequeno irmão no trono, o rei.

    - O clérigo tinha razão então, mas as nébulas de sua visão é o que eu estou imaginando? – aproximamos nossos rostos calmamente, trocando olhares.

    Nossos lábios se tocaram formando um beijo ardente.

    Ao nos liberarmos, segurei a mão da minha amada princesa, usando sua energia para reavivar seu pai. – Ao rei.

    - Ao réu. – ela sorriu para mim com uma doçura encantadora, apertando minha mão com toda a sua força.


    *** FIM ***
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    Mensagem por Mr. Evil 12.04.12 20:24

    Ah tá, estilo fics inspiradas por canções, compreendo haha.
    No caso reli e li ouvindo a canção,
    costume que tenho quando alguma fic é baseada ou tem referencia a uma musica (por menor ou maior que seja a referência haha).

    Gostei muito, bastante mesmo da fic, principalmente do fim, achei forte e interessante, correspondendo e até superando minhas expectativas.

    Parabéns ae, ótima one-shot, está incrível õ/

    Espero continuar vendo ótimos trabalhos seus, sinceramente haha XD

    ~ Evil õ/ ~

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