Reportagem meio Longa, só pra quem curti ler e tem paciencia
- Spoiler:
- Seguinte, vou deixar claro: Reservei toda a fileira do fundo para caso Narutards venham e encham o saco. Façam o favor de ficarem nos lugares marcados. Grato. O assunto de hoje eu fiquei cozinhando durante quase SEIS meses. Não porque não tivesse material suficiente, Kishimoto vem me fornecendo cada vez mais argumentos para o que vou alegar aqui, e espero que ele esteja fazendo isso com a intenção de dar a volta por cima em algum momento, senão minha frase será absoluta: Masashi Kishimoto matou seu mangá Naruto. E com um tiro de escopeta, no meio dos olhos, pra estragar o velório. E fez isso conscientemente, procurando seguir por alguns dos grandes pecados que eu citei lá atrás, em um texto sobre as falhas dos autores. Discorrer sobre essa obra, então, não é novidade. Mas como eu cansei de ver defesas sem sentido algum, quero ajudar a por a pá de cal no assunto e esperar pela salvação de Naruto. Ou seu completo fim.
Começar pelo maior argumento dos fãs do autor. Digo, do autor, não da obra, porque ser fã não é ser fanático propriamente dito. A palavra é uma apropriação do termo original, com a idéia de suavizá-lo. Um fã não precisa gostar de tudo que é feito com o seu objeto de apreciação. Tem de ter senso crítico, na verdade, para conseguir julgar se aquilo ainda é o que ele passou a gostar a princípio. Logo, os fãs atuais de Naruto se dividem entre Narutards (extremos, que vão do profundo amor ao intenso ódio pelo trabalho atual) e fãs, com percepção de qualidades e defeitos. A alegação de ambos, no entanto, é a mesma: Kishimoto sabe o que faz. Acredito, ele realmente sabe o que está fazendo. E não sei se ele gosta, mas continua fazendo. Desde o Exame Chuunin, para visualizar o ponto mais longínquo, ele preferiu trabalhar com o futuro, mas foi somente a partir da aparição de Itachi que ele se apropriou do seu dogma: As ações dos personagens nunca tem efeito próximo, apenas retardado. Decidir que você irá matar alguém não quer dizer que será recriminado AGORA, somente depois que você tiver feito. E isso se tiver sucesso. Assim, as sagas vão se entrecruzando e o autor tenta deixar pistas de seu complexo plano, apesar de não perceber a grande falha: Ninguém é telepata ou sensitivo, e tem certas coisas que não vão perceber nem com o guia visual do lado.
Digo isso tendo lido Eichiiro Oda (de One Piece), Nobuhiro Watsuki (Samurai X/Rorouni Kenshin), Katsura Hoshino (D.Gray-Man), Yoshihiro Togashi (HunterXHunter e Yu Yu Hakusho), etc., todos bons autores de shounens que trabalham com o futuro, não se prendendo a sagas específicas. Hoshino, por exemplo, deu dicas do segredo de Allen desde o primeiro capítulo, assim como Watsuki construiu o passado de Kenshin em cima de seu futuro (em uma reversão de conceitos que deu certo). Kishimoto utilizou de forma grandiosa esse artifício durante a fase original do mangá, mas, em algum momento de Shippuuden, seu grande trunfo desgastou e começou a cansar ter de ler nas entrelinhas as ações dos únicos personagens com que Kishimoto se importa: Naruto e Sasuke. E não me venham dizer que não é verdade, pois autor nenhum faz o que Kishimoto fez com seus coadjuvantes: organizou-os em alguma pastinha na qual ele pesquisa, vez por outra, para ver qual deles pode ser utilizado em alguma cena, sem se importar com seu crescimento pessoal. Vamos, sejam sinceros, a idéia de colocar a batalha final contra Kisame pode ter sido o motivo que levou a pôr Gai-sensei no mesmo barco que Naruto, mesmo assim ignorou completamente o fato que Gai é um guerreiro, que não se absteria da guerra simplesmente porque é importante proteger um Jinchuuriki. Esse trabalho nunca dependeu de força, e sim de astúcia. E o personagem não seria, de longe, a melhor possibilidade.
Aliás, aproveito esse arco para citar outro problema que Kishimoto encontrou em sua genial jornada do herói: Não conseguir evolui-lo sem ser através de exaustivos treinamentos. É a única razão pela qual Naruto poderia ter sido colocado em uma ridícula missão que nem acredito que ele levou a sério. Ainda mais sendo considerada Classe S. O autor abusa da ingenuidade do personagem, provando cada vez mais que ele não tenciona torná-lo Hokage. Ou Naruto é um excelente ator e finge que confia em Yamato e que está fazendo aquilo de verdade. Talvez seja Kishimoto tentando resgatar o humor que se perdeu entre os contínuos dramas de seus vilões (já que herói nenhum tem seu momento “Ooooooh” desde Shikamaru), o que é uma escolha arriscada. Não é o melhor momento para piadas de mau gosto como a do enorme tatu e sua sexualidade. A cena, que chegou a ser o foco de Naruto em dois capítulos seguidos, é causa de constrangimento e não se faz valer logo depois de algo tão forte quanto o reencontro de Kushina e seu filho. Sério, ele acabou de saber toda a verdade sobre a mãe e entra nessa situação? Ainda mais depois de ver o suicídio honroso de Kisame? Esse não é o protagonista que conheci e admirei.
Naruto não é o mesmo personagem da luta contra Pain ou mesmo aquele em que Hinata, Sakura, Shikamaru, Kakashi, Tsunade e tantos outros puseram sua confiança. Ele estaria, teoricamente, amadurecendo, pronto para enfrentar seu principal e eterno antagonista, Sasuke Uchiha, ao ponto de os dois estarem no mesmo patamar. ESSA é a verdadeira jornada do herói. Logo, colocar momentos cômicos não é algo impossível, ninguém amadurece se tornando sisudo. Mas daí a passar para o escracho e a perda de noção, utilizando a fraca, porque não dizer pouco inteligente, colocação de que precisam resguardá-lo para que Tobi/Madara não o capture é exagerar no clichê. Clichê mal escolhido, ainda por cima. Acabou levando ao mais tenebroso plot twist que Kishimoto poderia escolher: Tentando capturar Naruto, Kabuto leva Yamato, contente em ter conseguido uma forma de aumentar ainda mais seu armamento, que nem considero grande coisa. Sério, Zetsu parece poderoso e não podemos subestimar Madara com Rinnegan e Mangekyou Sharingam, além de ter todo o poder de fogo de Kabuto, mas já vimos que Sasuke só vai lutar com Naruto e eu poderia citar ao menos uns dez personagens fortes o suficiente para frazer frente à Akatsuki. Entra aqui um problema evidenciado pelo colega de Shonnen Jump, Kubo Tite, chamado simplesmente de Queridinho do Autor.
Os Uchihas são, em sua maioria, homenagens ao irmão gêmeo Seishi, e por isso recebem o carinho do autor, claro desde o primeiro vislumbre de Sasuke. Não é um problema. Nami, de Oda, é sua personagem favorita também e mesmo assim a preferência por ela não impede Ruffy de brilhar, ou mesmo os outros sete membros da tripulação. O furo de Kishimoto (heh) é na hora de colocar os Uchihas na história. Desde que Madara apareceu, quando vimos que Tobi era o verdadeiro líder da Akatsuki, Kishimoto tem achado formas de colocá-lo em buracos da história. Ele foi o homem que lutou com o primeiro Hokage, fato que já estava escrito há muito tempo, assim como quem levou Itachi a desenvolver o Mangekyou, deu o Rinnegan a Nagato, transformou a Akatsuki em uma força terrorista de verdade, subverteu as buscas de Sasuke e liberou a Kyuubi sobre Konoha. Se tornou um personagem várias vezes mais cruel e mais forte que Orochimaru, que acabou reduzido à uma segunda personalidade de Kabuto, que parece se misturar cada vez mais com a primeira. Pior, sempre que Madara aparece, ele arranja alguma forma de derrubar alguém e consegue, sem grande esforço, tirando o momento em que Konan (talvez na única batalha recente que realmente apreciei) explodiu metade de seu corpo de forma berserker. A mesma determinação é dada a Sasuke, que não fosse o melhor amigo (como?!? Sério, Naruto chegou à estupidez) do protagonista seria claramente um vilão de larga escala. Não há desculpas para sua loucura, ele é como uma bala perdida. Alguém mira em qualquer coisa e atira e lá vai ele correndo para degolar. Seus escrúpulos já se perderam a tempos e seu modus operandi é igual à de um serial killer. Ele não dialoga, apenas grita imprecações e solta jutsus que nem ele sabe de onde tira. Para entornar ainda mais o caldo, é a esse personagem sem sentido que Kishimoto continua dando poderes.
O que poderia ser uma justificativa para o contínuo crescimento da parte física de Naruto. Bem claro, da parte física, não mental ou emocional. O ovo que Naruto era só piorou e nem mesmo quando uma garota declara seu amor por ele e se sacrifica ele parece dar um tempo para repensar em suas relações com as outras pessoas. De fato, Kishimoto é um péssimo formador de casais e desafio qualquer um a me dizer UMA dupla feliz nessa lenga lenga toda. UMA. Mortos não contam como felicidade, senão Zabuza e Haku estariam até hoje em lua de mel. Aliás, existe apenas um sentimento para o qual dá certo valor, que seria o da amizade, ou melhor dizendo, lealdade, porque amigos mesmo são poucos em Naruto. Não sei quanto a vocês, mas cada vez mais parece que os coadjuvantes ficam distantes do protagonista, invalidando a idéia de que ele conseguiu o respeito daqueles à sua volta. Como dizer que ele tem a confiança deles se eles não têm oportunidade de demonstrar? É aí que entra talvez a maior polêmica que Kishimoto poderia criar: Aos poucos ele vai se contrariando.
Talvez seja por esse ponto que o texto tenha sido iniciado. Discutindo com uma amiga, boa de argumentar sobre Naruto (olha o blog dela aqui), chegamos a uma conclusão um tanto chata… Naruto não é o tipo de protagonista que parecia ser. No começo, todas as suas conquistas eram por esforço, pela força de vontade que ele demonstrava contra a descrença geral, pela insistência e teimosia. O que mudou é que, cada vez mais, parece que ele nasceu em um berço de ouro. O pai era Hokage, o que por si só não incomodaria, mas foi ele quem bolou exatamente o principal jutsu de Naruto, o Rasengan. Assim, o aprendizado de Naruto parece menos valoroso do que é. Além do mais a mãe não só era a Jinchuuriki anterior (algo meio desnecessário para a trama, apesar de legal) como também era descendente de grandiosíssimos ninjas, vinda de uma vila perdida, cuja arte também parece sumir, e era uma das maiores ninjas de Konoha. E aí? ESSE é o protagonista que a gente lembrava? Para mim, não. PORÉM, e isso é o que espero do Kishimoto, ainda há a possibilidade da personalidade de Naruto voltar a vigorar e vermos esse mesmo ninja fazendo o impossível, coisas que sua hereditariedade não poderia ser atestada.
Kishimoto não é um autor bobo, muito menos tem cartas na manga diferentes da de um bom jogador de pôquer. Seu estilo artítisco está cada vez mais excêntrico (pra não dizer feio) e sua narrativa enrolada, mas a trama do seu mangá promete, e os fãs imploram por um arco bom para fechar as Crônicas do Furacão com estilo e o Naruto que eles lembram ter um final feliz. Ou, se possível, condizente com tudo que já foi visto.
Matéria por: Sake com Sal - http://sakecomsal.com.br/