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- Prefácio:
- Hey povão, Estou deixando esse One Shot ae, que terminei essa semana depois de muito tempo... foi uma das idéias de história que eu tive (que, se eu tivesse skills de desenho, eu poderia fazer um mangá) mas eu fiz um one shot pra poder abordar um pouco do tema pra ver se fica legal xD É uma história boa e espero que esteja bem escrita... isso é vocês que vão dizer ^^
Boa Leitura ;D
M O N S T E R
Sabem, eu sou um garoto calmo. Aparentemente calmo, devo dizer. Afinal, não faço nada a ninguém, procuro ficar na minha. Não procuro briga, Não crio confusões. Sou um cara sério. Até mexerem comigo...
- Ei gordin!!! – gritaram para mim.
Tá, eu não sou magro, mas também não sou gordo... sou forte e meus músculos são grandes, só isso. Mas minha conduta passiva e pacata me faz parecer gordo.
Era uma rua escura, e a noite tinha acabado de começar. Esses caras não dão descanso pras pessoas... Olhei ao redor e vi dois se aproximando. Apressei o passo. A ultima coisa que eu queria era causar problemas pra minha família.
- Ei rapá, pra onde você ta indo?? – Perguntou um deles que me abordou. – Que que você ta carregando ae??
- N-nada demais – tentei continuar meu caminho mas o outro me agarrou pelo braço e me jogou contra um muro. – P-por favor, não...
- Não o que, moleque?? Passa o que você tem aí na mochila!!! – gritou um deles.
- N-não, por favor... eu, eu não quero...
- Bora rapá!! – e o garoto tentou arrancar a mochila à força. A intensidade com que ele atacou foi tamanha que minha cabeça bateu no muro áspero.
O cheiro de sangue invadiu minhas narinas e tudo ficou escuro. Sentimentos diferentes passavam pelo meu corpo. Primeiro medo. Depois dor. Raiva. Prazer. Dor novamente. E então desespero. E fui engolfado, novamente, pelo cheiro do sangue, agora mais forte.
Corri. De medo, sim, mas também de vergonha. Na esquina, um policial me abordou, aparentemente tinha acabado de chegar ali. Pessoas gritavam atrás de mim e mais pessoas apareceram.
- O que aconteceu, garoto? – perguntou o policial.
- Moço, alguém veio, atacou eles... eles tavam me assaltando e de repente caíram – Menti. A verdade era aterrorizante demais.
- Venha comigo... Jorge, chama a ambulância pra esses dois, o médico da delegacia atenderá esse aqui. – disse ele a outro policial que respondeu com um “Sim Senhor” - E você... vamos precisar falar com os seus pais, garoto.
Eu estava ferrado.
***
- MEU FILHO!!! ONDE ESTÁ MEU FILHO!?!?!?
- Acalme-se senhora, o nosso comandante está terminando de colher o depoimento dele e já vamos trazê-lo.
- EU NÃO QUERO SABER, SEUS... Ah, meu filho... você está bem??
- Mãe, eu to bem – disse, enquanto chegava, acompanhado pelo comandante. Não era uma mentira, eu estava realmente mais calmo. Minha mãe era uma mulher desequilibrada, mas muito sensata... se é que isso é possivel.
- Ah querido... bom ver que você está bem... sua mãe aqui ficou preocupada, sabe... – disse ela. – AGORA MAS QUE DIABO VOCÊ ESTAVA FAZENDO NA RUA ESSA HORA!! VOCÊ NÃO SABE QUE É PERIGOSÍSSIMO ANDAR SOZINHO POR AQUI!?!?!
- Acalme-se senhora. – disse o outro policial. – qual seu nome meu jovem?? – perguntou pra mim.
Ah sim, não me apresentei ainda... Meu nome é Leonardo, tenho 13 anos e a família mais estranha do mundo. Acreditem.
- É Leonardo Abreu Linhares.
- O que aconteceu comandante?? – perguntou minha mãe.
- Um par de assaltantes abordaram seu filho, senhora. Segundo o que ele me contou, um desconhecido veio e os atacou mas, se foi realmente isso que aconteceu, temos que achar ele...
- M-mas porque?? – perguntou minha mãe desconcertada e olhando para os lados, como se temesse se alguém entreouvisse aquela conversa.
- Ora, o rapaz deve ser um monstro, ele estraçalhou o corpo dos garotos. Fraturas em diversas costelas, traumatismo craniano... eles vão ficar hospitalizados por dias. Melhor vocês tomarem cuidado, com este rapaz à solta... – e com este aviso, deu meia volta e voltou para o interior da delegacia.
- Mãe.... mãe eu... – tentei argumentar.
- Chega, Leonardo... Problemas demais por hoje! – disse ela. Seu olhar selvagem sobre mim era a prova de que eu realmente estava encrencado.
Nossa família vem de uma linhagem antiga de pessoas com instintos, digamos, mais apurados e aprimorados que os de um humano normal. Somos selvagens, por assim dizer. Nada de transformações em lobos, ficar verde, ou musculoso nem nada. São apenas lapsos, controlados ou não, de raiva, sede de sangue e selvageria. Alguns se beneficiam disso, mas eu prefiro esconder, não é algo para me orgulhar... eu só quero ser um garoto normal.
***
- Cara, que mancada!!! Maninho, você me surpreendeu!! – Meu irmão tagarelava de prazer enquanto voltávamos pra casa.
Eu tenho dois irmãos. Leandro é mais velho, tem 17 anos. Ele é o cara que se aproveita dos genes super desenvolvidos que a família forneceu. É inteligente, ágil, bom nos esportes, e consegue todas as garotas que quer... Eu acho isso um abuso, usar essa nossa deficiência para se achar melhor que os outros é ultrajante. Mas toda a família é igual a ele, então eu sou tachado como estranho.
- Cala a boca Leandro, isso não era pra ter acontecido – falei, aborrecido.
- Ah cara, já tava na hora de você usar melhor seus poderes... Aqueles carinhas tiveram uma lição que nunca vão esquecer. – disse Leandro ainda rindo. Ele realmente me irritava.
- Poderes? Você só deve estar brincando... você acha que somos o que?? X-men?? – disse irritado.
- Argh Leandro, coitado do garoto... você sabe que ele não gosta disso. – Lianne o repreendeu.
Lianne é minha irmã, tem 21 anos. E sim ela também sabe abusar dos seus genes. É especialista em conseguir o que quer e é uma mulher perigosa. Saber seduzir é uma das especialidades da nossa família, com exceção de alguns... é claro, eu.
- Ah mãe, pra que você os trouxe?? – perguntei.
- Ah maninho, você acha que a gente ia perder nosso irmão saindo da delegacia?? Mas nem morto!! – meu irmão era realmente irritante.
- E pensar que você foi parar na cadeia mais cedo que eu... só fui conhecer uma cela aos 17, acredita? – disse Lianne.
- Não é algo para se orgulhar gente! – disse minha mãe. – Mas Léo, você tem que se acostumar com isso... se você tivesse praticado melhor, isso não teria acontecido.
- É, é, não vê seu irmãozão aqui?? Total controle sobre mim mesmo... – disse Leandro orgulhoso.
- Se for pra ficar igual a você eu prefiro a morte!
- Leonardo!! Isso é coisa que se diga?? – minha mãe usou o olhar assustador novamente.
- Desculpa mãe. – baixei minha cabeça.
As coisas geralmente eram assim... Desde que meu pai morreu, somos só nos quatro. Minha mãe trabalha, dirige, e banca tudo pra gente. Ela é um mulher gentil e forte, e merece tudo que uma mãe pode querer... e filhos problemáticos não estão nessa lista.
- Todos tivemos um dia muito difícil hoje, temos que descansar – disse ela - fiz Bife com batatas fritas hoje para o jantar, o que acham? – disse ela tentando nos animar.
- Sangrenta de novo, aposto – falei aborrecido.
- Não, eu fiz super bem passada só pra você – disse ela, carinhosa.
Ser diferente dos outros não era fácil. Eu era o estranho da família e sempre era comentado nas reuniões por ser o que poderia nos dar mais problemas. Como manda a tradição, nos casamos com famílias de linhagens semelhantes para propagar o gene, e foi assim que minha mãe e meu pai se casaram. Depois de um tempo de convivência o amor vem naturalmente, mas não sei se é assim que quero seguir as coisas. Na família temos vários tipos de figurões, dos mais simples, assim como eu, até os mais transtornados, que tem que ser isolados da sociedade. Mas eles são felizes assim, só aqueles que renegam os genes que sofrem tais conseqüências.
O único cara que me apóia em minha decisão é meu tio Jhonny. Ele é um daqueles que optaram por não utilizar os genes, e até casou-se com uma mulher normal. Ele é minha inspiração, um cientista bem sucedido que é feliz com o que conseguiu. Com suas pesquisas, conseguiu inibir o gene na gravidez de sua esposa, de modo que eles não se manifestassem em seus filhos. Por conta disso, ele foi banido da família. Mas eu e minha mãe ainda visitamos ele.
- Mãe, vou dar uma passada lá no Laboratório do tio. – disse. O laboratório dele era um galpão, próximo à minha casa. Deixei minha mochila no meu quarto, peguei a bicicleta e fui lá. Só com ele que eu poderia conversar normalmente sobre esse assunto, mais ninguém.
- Léo!! – exclamou ele assim que me viu chegando na porta do laboratório. – Como vai, meu filho?? Tudo bem lá na sua casa?
- Mais ou menos tio... hoje fui pra delegacia.
- Delegacia?? Não me diga que... – e fez um gesto com a boca que dizia “seu irmão?”
- Não, não... foi minha causa mesmo. – ele se surpreendeu – uns caras queriam me assaltar e eu acabei me descontrolando. – falei, triste.
- Ah, garoto... você deve estar muito tenso. – disse ele, bagunçando meu cabelo – Venha, quer um café?? Sente-se aqui, Alice preparou um rocambole pro meu lanche...
- Obrigado, mas não estou com fome...
- Ah, que isso... vamos, entre um pouco e me conte o que houve – entrei e contei o que aconteceu. Quando terminei estava beirando as lágrimas.
- Isso é normal, garoto... acontece muitas vezes... – disse ele, me reconfortando – eu mesmo tenho que ir às vezes pra um lugar solitário pra acalmar o monstro aqui...
- Sério?? E-então o senhor não está totalmente curado... – disse eu, curioso.
- Não, eu prefiro não usar minhas fórmulas inibidoras... elas vieram me fazendo mal por um tempo, deixou minha mulher preocupada... então eu parei.
- É tão ruim ser assim... porque eu não nasci em uma família normal, eu não me importaria de nascer feio ou idiota. Se eu fosse normal eu estaria feliz. – disse eu, com o rosto entre as mãos.
- Ah, não fale assim... sua família é ótima. Você é jovem, e não deve ficar se martirizando com essas coisas. São coisas que a gente não escolhe, mas há meios de se manter o controle... E não é de todo ruim, seus genes salvaram sua vida hoje. – disse ele, me confortando – Bem, já está tarde, vá para casa, sua mãe deve estar preocupada.
***
- VOCÊ PAROU NA DELEGACIA??
- Xii, ta louco é?? Não fala tão alto, Daniel, não quero que todo mundo descubra. – disse eu, puxando minha cadeira pra perto dele para falar mais baixo.
Daniel era meu melhor amigo na escola. Inteligente como nenhum outro, descobriu minha situação depois de observar certas anormalidades da minha família. O garoto era fera, qualquer coisa que precisasse saber ele tinha a resposta na ponta da língua. Quando descobriu sobre minha deficiência, já pensou logo em me levar para um laboratório.
- Pare de chamar seus poderes de deficiência. Isso é um dom divino, algo que só beneficia você, não entendo isso... – disse ele quando me ouviu dizer a palavra deficiência – Já pensou em virar super herói??
É claro que não dou ouvidos às idéias malucas de Daniel, mas ele é um bom amigo. Sempre esteve por perto pra me ajudar quando eu estava em más condições e me ajudava nos deveres. O que ele ganhava com isso? Emoção para a vida sem graça que ele diz ter.
- Espera, espera, deixa eu entender... Você atacou dois assaltantes e foi parar na delegacia?? Cara, isso é demais!! – disse ele empolgado, depois de ouvir a historia. - Não posso largar você mais, agora vou com você até sua casa, não posso perder se acontecer de novo!!!
- Não vai acontecer de novo, porque eu NÃO vou mais ficar até tarde na sua casa. Ontem minha mãe reclamou pra caramba.
- Da nada cara, na próxima vez você dorme lá em casa, pronto... Mas cara, essa é mais uma prova de que seu dom veio para o bem e não para o mal!! Isso é uma bênção...
- Não é uma bênção... é uma maldição que minha ta-ta-ta-ta-tataravó jogou em cima da gente.
- Agradeça a ela por você ainda ter suas coisas com você...
- Eu preferiria ter sido assaltado a virar um gorila toda vez que fico com medo.
- Ei, vocês aí... – a professora já estava em sala e ralhava com a gente por causa da conversa. Gesticulei um “depois a gente fala mais” pro Daniel e nos voltamos pros nossos cadernos.
A vida escolar era difícil. Não porque eu tinha uma deficiência, mas porque eu queria escondê-la. Com ela eu seria o melhor nas aulas, o melhor nos esportes e o mais popular entre as garotas. Sem ela eu sou um fracassado. Mas, pra não ser ruim em tudo, resolvi me aplicar nos estudos e acompanhar meu amigo Daniel, que não tentava esconder nenhum dom, mas ainda assim tinha problemas com os esportes e as garotas.
- Ah cara, vamos achar um jeito de transferir seus poderes pra mim!! Se você não quer, eu quero!! – disse ele com inveja, após uma garota vir falar comigo. – Você tenta ser o cara mais idiota da turma e eu quero ser o mais legal da turma... e estamos falhando em nossas missões!!!
- Daniel, para de drama – esse era um bordão típico nas minhas conversas com Daniel. Nunca vi ninguém se lamentar tanto.
- Drama?? Só estou observando as injustiças da vida, meu caro amigo. Se você... – ele parou de falar... uma presença o interrompera.
- Léo? Ta ocupado...
Levantei o rosto na hora quando ouvi de quem era a voz. A voz mais linda do mundo vinha da garota mais linda de toda a escola.
- Oi Helen, não to ocupado não, pode falar. – Eu ficava muito sem jeito perto dela. Sem jeito era modo de falar pois minha condição genética sempre dava um jeitinho.
- Eu to com uma dúvida no dever de matemática, tem como você me ajudar aqui? – disse ela, sorrindo no final da frase. Ela tinha um sorriso meio enviesado, que eu achava uma graça, e o jeito com que ela jogava os lindos cabelos pretos dela era magnífico. Eu não sei o que ela fazia, mas ela acordava o animal aqui.
- C-claro, vamos lá, eu vou com você... – e segui ela. Daniel fazia uma piscada saliente para mim enquanto eu passava e cochichou um “manda ver”.
Se fosse pela Helen eu não me privaria de nada, até mesmo usaria meus poderes. Desde o dia em que comecei a gostar dela, decidi que ela teria que ser minha namorada. Daniel dizia que chamaria a polícia, caso eu matasse algum pretendente, e seria meu advogado se me levassem ao tribunal. Parecia loucura, mas eu falava muito sério.
As aulas terminaram e eu juntei meu material para ir embora. A escola não era longe da minha casa, apenas algumas quadras de distância. Já Daniel morava bem longe, quase em outro bairro. Por isso, quando saí da casa dele tarde, fui por um caminho tão perigoso, e acabei encontrando com os assaltantes.
- Vam’bora Léo, eu vou perder meu ônibus!! – disse Daniel, parado na porta. Peguei minhas coisas e saí.
- Seu irmão não vai com você hoje? – Daniel perguntou. Meu irmão era do segundo ano do Ensino médio e estudava na mesma escola que eu. Eu estava na sétima série, um pouco adiantado para a minha idade.
- Não, hoje ele tem futebol... Minha mãe deve ter deixado almoço pronto, a Lianne nunca faz comida.
- Heh, qualquer dia eu levo a sua irmã pra jantar – disse Daniel. O safado meio que tinha uma queda pela minha irmã.
- Se liga rapaz, minha irmã... – disse ameaçadoramente.
- Desculpa, desculpa... pensando melhor, eu é que não quero me envolver com um povo que quebra árvores ao meio – disse ele rindo, mas parou ao ver minha cara.
- Muito engraçado...
- Ah, desencana cara... uma hora você vai perceber que seu dom é útil e necessário para você... Bem, eu vou indo, manda um beijo pra sua irmã. – Daniel se despediu e correu para o ônibus que tinha chegado.
Eu ia de bicicleta para casa, já que era próximo. Amarrei a mochila na carona e fui embora. Ás vezes meu irmão levava minha bicicleta pra mim, caso eu fosse em outro lugar. Meu caminho usual seguia pela rua lateral da escola, passava o prédio principal e os campos de esporte até uma praça, onde, depois de duas ruas paralelas, eu chegava em casa. O caminho geralmente era calmo e poucas pessoas transitavam, mas hoje, excepcionalmente, tinha um grupinho na calçada.
Eles olhavam pra mim com interesse. Isso não era boa coisa. Virei o guidão para o outro lado da rua, mas um dos garotos se adiantou e correu ao encontro da bicicleta. BUM! Fui lançado dois metros à frente.
- Ora ora, não é que você acertou, João... é ele mesmo, galera! – disse uma voz. Senti um chute na barriga e abri os olhos.
Cinco garotos me rodeavam. Usavam roupas sucateadas e tinham a pele suja. Marginais, imaginei. O mais corpulento me levantou do chão e me chocou contra a parede, o que me trouxe lembranças da noite anterior.
- O filho da mãe ta inteirinho gente, nem se lanhou – disseram. A voz pertencia a um garoto magricela, mas que tinha olhos vivos, feito um falcão. Aparentemente era o líder entre eles. – Espero que esteja doendo cara, porque meu irmão está no hospital agora, falando que nem quer sair de casa mais. Ele te descreveu e a gente veio te agradecer por ter tratado – senti um soco – o meu irmão – mais um soco – com tanto carinho – cuspiram na minha cara.
Eu estava tremendo. Sequer reagi à cusparada que levei no meio do rosto... minha mente estava escurecendo pouco a pouco. Me controlei, mas iria acontecer logo... logo...
- Não fala nada, moça?? Cadê toda aquela força que meu irmão me falou?? – os outros em volta davam gargalhadas. Perdendo a paciência, o rapaz levantou a blusa e puxou um objeto metálico.
O cano da arma reluziu ao sol quente do meio dia. O homem encostou o revólver na minha testa e se aproximou pra falar. Dava para sentir o hálito podre.
- Você tem que ver o que meu irmão está passando, seu merda! Eu não sei quem tava com você para fazer aquilo com ele, mas você vai pagar no lugar dessa pessoa. Eu vou estourar essa cabe...
O som oco de crânio batendo contra concreto soou, e todos olharam sem reação. Um a um os homens em volta foram caindo. Depois que consegui recobrar totalmente os sentidos, vi que Leandro estava parado ali.
- Vem, levanta – disse ele, me ajudando a levantar.
- Le-leandro... e-eles vi-vieram p-por c-causa do g-garoto d-de ontem – eu estava desesperado, falando entre soluços... as lágrimas rolavam feito cachoeiras.
- Para de chorar, já passou... você podia ter cuidado disso se tivesse treinado! Se o papai visse uma coisa dessas...
- C-chega, eu v-vou embora – disse eu, mas na hora que abaixei pra pegar a mochila, caí sentado.
- Droga, você é muito fraco emocionalmente. – disse meu irmão me ajudando novamente a levantar – Pessoal!! Coloca outro no meu lugar aí que eu vou levar ele em casa!! – disse ele para alguém no outro lado da rua. Quando olhei, vi o time todo de futebol parado na grade. Aparentemente eu estava passando pelos campos quando os homens me abordaram, e Leandro, vendo a cena, veio me socorrer.
Leandro me ajudou a chegar até em casa. Resmungando algo como “vou voltar para buscar a bicicleta” ele saiu, me deixando com Lianne.
- Pronto, já passou, bebe aqui – disse ela me passando um copo com água. – Já liguei pra mamãe, ela disse que vai sair mais cedo e que é pra você não sair de casa...
No sofá mesmo eu deitei e tirei um cochilo. Todo o desgaste que aqueles caras me causaram estavam agora refletidos em hematomas e em minha cabeça latejando. Acordei com uma mão acariciando meu cabelo.
- Você ta bem, meu filho? – disse minha mãe – fiquei tão preocupada...
- Tô melhor mãe... já passou.
- Me conta o que houve – pediu ela, e, em breves palavras, contei o que tinha acontecido. Quando terminei, ela me olhou por uns segundos, levantou, pegou o telefone e foi para a cozinha. Meu irmão entrou na sala no momento.
- Hey, Léo... toma cuidado a partir de hoje hein.
- Pode deixar Leandro, você sabe que eu não fico arrumando confusão.
- Não é isso que eu quis dizer – disse ele apreensivo – Quando voltei para apanhar a bicicleta hoje lá, os caras que eu bati não estavam mais lá... não devo ter batido forte o suficiente.
- Não, você bateu o suficiente... você não queria matar eles né! – disse eu.
- E eles provavelmente vão voltar pra se vingar... eles usaram um revólver, você viu, e nós não somos imunes a armas, infelizmente – disse Leandro olhando para os punhos, como se eles não cumprissem o papel que deveriam.
- Ta vendo no que nossos poderes nos envolveram!! Isso é tudo culpa dessa droga de corpo descontrolado!! – eu estava com raiva e muito dolorido.
- Olha a boca mocinho – minha mãe acabara de voltar à sala. Colocou o telefone na base, sentou-se no sofá e olhou pra gente. – Léo, não quero que você vá pra escola sozinho, entendeu? O seu irmão vai te acompanhar...
- Não precisa mãe, eu... – ela levantou a mão pedindo silêncio.
- Leandro, não deixa ele sair da escola sozinho, ok? Se você tiver futebol, traz ele em casa e depois volta. Procura não ficar zanzando por aí também não... as ruas estão perigosas demais.
- Pode deixar mãe, vou cuidar do Léozinho fracote. – disse Leandro, debochando.
- Ridículo...
- Seu irmão tem razão, Leonardo – não acreditei que minha mãe estava concordando com o insulto – Se você treinasse o controle sobre o seu poder, você poderia aprender a lidar com ele...
- Mãe, eu odeio isso com toda a minha força!! – disse eu, revoltado.
- Você não enxerga o quanto isso é benéfico pra você, meu filho?? Te salvou duas vezes essa semana, uma por você mesmo e outra por intermédio de seu irmão... Na época da Ancestral, era diferente, encarávamos isso realmente como uma maldição. Mas hoje tudo mudou, e nós aprendemos a transformar isso numa coisa boa.
- Mas meu tio também não gosta... ele diz que fez mal a ele!!!
- Seu tio é um homem apaixonado, Léo... Ele deixou a família por amor à Alice, e, também por pedido dela ele negou seus poderes a seus filhos. Antes dele negar seu dom ele aprendeu a controlá-lo, e você devia fazer o mesmo...
- Não tem necessidade!! – disse eu levantando – Eu não vou deixar isso tomar conta de mim assim!! Não posso...
- Converse com ele... ele saberá te explicar. – disse ela, enquanto eu ia para meu quarto.
***
No dia seguinte, após Leandro ter me trazido em casa, almocei e fui visitar meu tio Jhonny. Ele estava do lado de fora do laboratório, carregando umas caixas.
- Hey Léo!! – ao tentar acenar, uma das caixas desequilibrou e quase caiu, mas com um rápido movimento de braços, ele conseguiu aparar a caixa no ar. A cena me deixou um pouco desconfortável sobre o assunto que se seguia.
Chamei ele para conversar e contei o que havia ouvido de minha mãe... ele baixou a cabeça e sorriu pra mim como se dissesse “então você me pegou...”. Ajeitou-se na cadeira e olhou pra mim.
- Eu não sei se você já está nessa idade... – disse ele – mas um dia você irá se apaixonar. E você irá viver para aquela pessoa e desejar que nada de ruim aconteça a ela, e a quem é próximo a ela. Não vai querer ver uma lágrima rolar no rosto dela. Assim que nós, homens, somos e esse senso de proteção é particularmente forte na nossa família.
Confesso que me identifiquei mais com meu tio nesse momento. Éramos realmente parecidos nisso. Mas eu ainda não sabia onde ele queria chegar. Vendo minha confusão ele continuou.
- Quando eu e Alice estávamos saindo, eu era o cara mais feliz do mundo. Ela era linda e eu estava sempre à disposição dela. Ela não sabia sobre mim. Até que um dia eu me atrasei pra um encontro nosso. Quando eu cheguei tinham uns caras mexendo com ela e segurando ela à força. Aquilo foi o fim pra mim, não me controlei. Resultado: quase matei duas pessoas, e quase perdi o amor da minha vida. Alice ficou muito assustada. Contei pra ela nesse dia tudo sobre mim e sobre a família. Ela ficou apreensiva e não quis mais me ver, ficamos separados por umas semanas. Foi nessa época que neguei meu dom. Estava muito apreensivo, culpava a família por ter perdido Alice e acabei sendo expulso. Fui vê-la nessa mesma semana e pedir pra reatar, mas ela me falou que ela estava com medo. O pai dela apareceu e me ameaçou, disse pra não me aproximar da filha dele. Não quis nem saber, e insisti... ele pegou uma pá de jardim e me atacou.
- E você reagiu? – perguntei.
- Claro que não!! Se ela estava com medo de mim, eu tinha que provar pra ela que eu podia me controlar. Levei cerca de setenta golpes, e fui parar no hospital... mas pelo menos tive Alice de volta. Depois disso pedi-a em casamento, e o pai dela deu a bênção...
- História linda, tio – disse eu, empolgado.
- O que eu quero dizer é... – disse ele, voltando ao foco – Quando você tiver alguém para proteger, você verá que o seu treinamento foi útil de alguma forma. Realmente, se eu não tivesse treinado todo aquele controle, eu não teria Alice agora e não seria feliz como eu gostaria.
- Se você não odeia tanto os poderes, porque não voltou à família? – perguntei, desconfiado.
- Não é simples assim... Meus pais acharam que foi a maior desonra de todas as gerações eu ter insultado a família e casado com uma mulher normal. E Alice também achou melhor assim, já que seus pais iriam estranhar minha família. Mas quando retirei o gene perigoso de meus filhos foi a gota d’água, e meus pais me viraram as costas totalmente... Ainda bem que temos sua mãe pra ajudar.
- Que nada, vocês que ajudam a gente pra caramba... – eu disse, feliz.
- Bom, tenho que voltar ao meu trabalho agora... passa lá em casa mais tarde, Alice faz um bolo e você lancha com a gente...
Voltando pra casa, fui refletindo sobre o que o tio Jhonny me disse. Se eu tivesse que proteger a Helen ou o Daniel agora, como estou, eu realmente não conseguiria. Acho que eu poderia voltar ao treinamento, pelo menos por enquanto, para poder ter a base de combate e controle das habilidades. Deixaria a família orgulhosa, com certeza, mas eu não sei se conseguiria. Aceitar de fato esta condição à qual fui destinado era difícil pra mim. Perdido em pensamentos, nem reparei que tinha pessoas vindo em minha direção. Aliás, muitas pessoas.
- Enfim achamos a casa da boneca – uma voz conhecida falou atrás de mim. Me virando, pude ver. O irmão do rapaz que eu ataquei estava de volta.
Mas ele estava diferente. Sua cabeça estava ligeiramente deformada no lado direito, com uma coloração roxa e vermelha que chegava dar pena. Seus capangas não estavam em melhor situação. Olhos roxos, hematomas, curativos... um até tinha quebrado um braço... meu irmão tinha feito um bom serviço.
Corri. Ignorando todo o papo dos marginais e todo o perigo de dar as costas para um homem armado, fui em direção à minha casa... pensando melhor, mudei direção e segui para a praça que ficava perto da escola. Mostrar minha casa pra essas pessoas não era boa idéia. No caminho, fui tentando juntar o pouco que aprendi nas poucas aulas que tive quando criança.
- Concentração... imagine cheiro de sangue, pode ajudar... respiração... mente limpa... – era tudo que eu conseguia lembrar. Mas fez efeito... eu estava bem mais rápido e minha mente estava trabalhando mais rápido. Parecia que tinham diminuído a velocidade das coisas, eu podia ver tudo e todos. De longe ouvia um “por ali!” indicando que os homens me seguiam. Subi em cima de uma das árvores e esperei para uma emboscada, sempre concentrando o poder que podia. Assim que eles alinharam com a árvore que eu estava, pulei de surpresa por cima de um deles e derrubei-o no chão. Com o susto, os outros ficaram sem ação, então eu fiz o trabalho. Fechei o punho e meti na cara do líder.
O melado encharcou minha mão e algo como um interruptor ligou em meu cérebro. Um a um os homens vinham mas eles simplesmente não eram páreo para o monstro que estava solto. Força, agilidade, habilidade... uma combinação perfeita de movimentos que, se não fosse pela quantidade de sangue que esbanjava, até que seria bonito.
O chefe se levantou para continuar lutando, mas ele estava sozinho... o último que caiu não levantou mais, só ele estava de pé ainda. Minha fúria ainda não havia passado e, sem pena, chutei-o no estômago e ele caiu de costas. Pulei sobre ele, tirando seu ar e levantei a mão para desferir o golpe de misericórdia. Ele fechou os olhos e levou as mãos ao rosto, como última esperança.
A cena comoveu meu eu interior e voltei à realidade. Arfando, com o punho a dois centímetros do rosto do outro, direcionei a raiva pro chão. Mais uma vez a fera se descontrolou e eu não pude evitar, era isso ou eu ia morrer. Aproximei-me do ouvido dele, e com a voz embargada de cansaço disse:
- Não houveram outras pessoas. Seu irmão foi me atacar e eu o ataquei de volta. Agora, se você sabe o que significa segurança, pegue seus amigos e saia daqui... eu tenho parentes que não são misericordiosos como eu.
Saí de cima dele e olhei o estrago que causei. Muito sangue derramado, isso não estava certo. Mais uma vez aquele sentimento de raiva e nojo que senti de mim mesmo. Ali, naquele momento, eu me considerei o vilão.
O rapaz estava simplesmente em choque, e sequer se moveu quando eu virei as costas e fui embora. A tarde já estava descendo. Fazia tanto tempo assim que eu me encontrei com meu tio naquele dia? Voltei pra casa, tomei um banho... a tarde tinha sido longa... longa demais.
***
Minha mãe chegou por volta das seis da tarde. Sentado no chão, com pernas cruzadas e cabeça baixa, esperei ela entrar e a chamei para uma conversa.
- Mãe, voltarei a treinar. Conversei com o tio Jhonny e ele disse que essa é a melhor forma de eu aprender a me controlar...
- Fico feliz, meu filho. Por sorte já havia contatado seu avô. Ele vem aqui nas suas férias e ajuda você e seu irmão. Vai ser divertido, você vai ver... – disse ela, sorrindo. Ela fez menção de se levantar e sair, mas eu impedi.
- Mãe... aquele grupo voltou... me atacaram esta tarde – confessei.
- Isso explica os novos hematomas... – disse ela calmamente.
- Você viu os corpos lá, não viu? – perguntei.
- Vi... a polícia está perplexa e já nomearam o suspeito como “O monstro do bairro”... Cuidado hein, a próxima vitima pode ser você – disse ela, divertida.
***
- VOCÊ DERROTOU UM BANDO DE DELINQUENTES??
- Garoto!! Você tem problemas, é?? – eu não conseguia controlar a boca de Daniel.
- Cara, você é o melhor!!! Eram quantos?? Dez?? Vinte?? – disse ele empolgado.
- Eram só cinco, Daniel... e para com essa algazarra, o professor vai perceber – disse eu... estávamos na aula de Educação Física. O professor nos dividiu em pares, para praticar lançamentos. Eu e Daniel estávamos quase matando as duplas vizinhas a cada grito de Daniel.
- Então seu avô vem no verão pra te treinar?? Cara... isso é tão maneiro!! Me sinto em um daqueles desenhos animados – disse ele enquanto jogava a bola.
- Você é maluco! E sim, ele vem no verão... Espero sobreviver a isso. – disse eu, meio triste.
- Claro que sobrevive cara... você é um monstro – disse ele fazendo uma pose demonstrando força.
- Ah, claro... um monstro tentando ser bonzinho... – falávamos e jogávamos sob o vento fresco da manhã. Aquela era mais uma boa manhã calma, igual a todas as outras que sucederam grandes noites de terror... e mais manhãs como essa estavam por vir para minha vida.
Última edição por Mr.Coal em 20.11.11 15:36, editado 1 vez(es)
