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    MITOLOGUE [16 +]

    Mr. Mudkip
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    Mensagem por Mr. Mudkip 10.03.12 22:42

    Assim como fiz em Pokémon Ree laii, estarei reformulando e prosseguindo a história de Mitologue. Em breve postarei as primeiras epístolas corrigidas e aperfeiçoadas e as inéditas...
    Aproveitem e espero que curtam.


    Exórdio



    Mitos são histórias baseadas em tradições e lendas ditadas pelo imaginário dos seres humanos para tentar explicar o universo, a criação do mundo, fenômenos naturais e qualquer outra coisa a que explicações simples não são atribuíveis, contudo nem todos os mitos têm esse propósito explicativo. Em comum, a maioria dos mitos envolve uma força sobrenatural ou uma divindade, ainda que os mais descrentes somente os atribuam a lendas passadas oralmente de geração em geração.

    Muito embora as figuras mitológicas sejam proeminentes em diversas religiões e a maior parte das mitologias estarem ligadas a alguma crença, ter a dimensão de saber que eles possam realmente existir acarretariam dúvidas na fé da humanidade quanto ao que se acredita e levaria a anarquia dos povos.

    O que ocorre pelo decorrer dos tempos, negando a existência das criaturas proeminentes da mitologia ocasionou em sua perdição. Banidos há séculos pelos howls, os humanos detentores do verdadeiro saber, conhecidos meramente como magos ou até mesmo como feiticeiros, eles aguardam aquele que os libertará do submundo e retomará o poder em suas mãos. Esperam a profecia: Mitologue.




    Em um futuro próximo:

    "Epístola 001 - A cruz e a espada"

    “Doravante, a lâmina afiada fincarás entre as pestes, a cruz expulsará os maus espíritos, na contenda um não se dissociará do outro.”
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    Mensagem por Mr. Mudkip 22.03.12 19:42

    Primeira epístola de Mitologue, finalmente postando.

    Para me forçar a continuar os capítulos, mudarei a ordem das epístolas, pois não influenciará no final, quando começarei os capítulos. Serão seis epístolas apresentando os personagens principais

    Este é o cronograma que pretendo seguir e se tudo der certo, terminarei rapidamente esta primeira parte. Espero que curtam o capítulo 01. Comentem e até breve!



    Epístola 001 – A cruz e a espada



    Japão – Fuji Goko*1, Província de Yamanashi – 2016


    Parábola às deidades*2 do mar


    No princípio, o oceano de caos.

    Montanhas, rios, vales e florestas nasciam pelas mãos de Izanagi e Izanami*3. Da natureza: símbolos de adoração.

    Da relação de Izanami e Izanagi, seus herdeiros: Amaterasu*4, Tsukiyomi*5 e Susano-o*6.

    Entre o xintoísmo e o budismo, a fé crescente.

    De Amaterasu, o Império sucedeu-se a casa Imperial.

    Através dos tempos a de se vir à guerra por terra e poder.

    Guerreiros provaram sua honra, dignos da alcunha: herois nasciam.

    Do sangue derramado, a oração para aliviar os sofrimentos.

    Santuários espalharam-se de leste a oeste;

    Em Hatsukaichi*7, ergueu-se sobre as águas: Miyajima*8.

    Para a proteção, Otorii*9, erigido pelas mãos de Taira no Kyiomori*10.

    Itsukushima*11, o local escolhido para abrigar um item inestimável entregue pelas deidades do mar.

    Kurosu*12.

    Símbolo de espiritualidade, da forja, a cruz tornou-se arma.

    Katasu*13.

    Taira proferiu:

    “Doravante, a lâmina afiada fincarás entre as pestes, a cruz expulsará os maus espíritos, na contenda um não se dissociará do outro.”

    A harmonia instaurou-se enquanto ali permaneceu.




    - Você lendo essas baboseiras de novo?! – como de costume fui interrompido de meu passatempo rotineiro. – Vai me dizer que já terminou a lição?

    - Já sim. – respondi secamente. – Não sou igual a certas pessoas que deixam tudo pra última hora. – ela lançou seu olhar duvidoso. – Se quiser pode conferir, só não pense que deixarei você copiar as respostas.

    - Ah, Shirou-chan! – fez um bico de reprovação. – Deixa de ser malvado.

    - Chiharu-san, não começa. – ela atuava no grupo de teatro da escola; sabia bem fingir um sentimento, neste caso, abria o berreiro e eu sem paciência acabava cedendo. – E tem mais, hoje o vovô pediu que eu fosse mais cedo para treinar. – olhei o relógio fixado a entrada da escola já sabendo que deveria partir.

    - Minoru-sama não dá uma folga. – quanto a isso eu também reclamava com frequência, especialmente quando ele me dava abertura para tanto, e é claro, acontecia bem menos do que eu desejava. Geralmente, ele alegava que se eu tinha tempo para falar durante os treinos ele poderia aumentar o grau de dificuldade, sem receios. – Desde pequeno que você treina todos os dias sem nenhum descanso e a única coisa que ele permite como passatempo é ler o Kojiki*14, o Nihonghi*15, o Kojidi-ken*16 e outras obras da cultura antiga. Sem internet, televisão, não sei como você consegue. O seu avô parou no tempo e quer te levar junto.

    - Como ele mesmo diz: não se pode desviar a atenção de nosso destino, e nos distrair com bobagens que não se leva a nada. – falei o que ele provavelmente teria dito nesta situação. – Melhor eu ir Chiharu-san. Não quero deixá-lo zangado. O atraso seria pior que a morte.

    - Até Shirou-chan. – Chiharu piscou em sinal de adeus enquanto eu acelerava o passo para que não me atrasasse.

    ***

    Do vilarejo até o templo eram dois quilômetros, percurso ao qual meu avô dizia ser o aquecimento ideal para o meu treinamento. Mesmo sendo uma região muito frequentada por turistas do mundo inteiro, o templo Miyazaki por ser de difícil acesso e com entrada proibida a maior parte do ano, permanecia longe dos olhares curiosos que insistiam em aparecer.

    - O que será de tão extraordinário? – meu avô nunca pediria para me liberarem das atividades extras se não fosse algo muito importante. Por conta disso, eu terei de repor a natação e o treino de arco e flecha para o fim de semana. Logo agora que está pra começar o torneio distrital. Os meus parceiros de equipe contam comigo e por isso eu tinha de praticar firmemente, não poderia desapontá-los de forma alguma.

    Mesmo não tendo muito tempo para as atividades extracurriculares eu gostava de fingir viver uma vida normal, preocupando-me com as notas na escola, ser popular, ter bons amigos, arrumar uma boa garota para me casar, e quem sabe ir para uma boa faculdade, mesmo com o meu avô colocando empecilhos para isso. Afinal, muito em breve eu iria herdar o templo, e com ele todas as responsabilidades incluídas, impossibilitando que eu me desligasse sequer um instante de minhas atribuições. Minha vida toda eu tenho sido preparado para isso, e a receberei com toda a honraria, mesmo que esse não seja realmente o meu sonho.

    Eu não posso e nem devo reclamar, já que nasci com um dom que muitos morreriam para conseguir e tenho tido uma vida repleta de acontecimentos fantásticos. Por viver com meu avô, eu pude ter experiências únicas, extraordinárias. Sou privilegiado como os seres que esse mundo oculta as sombras, isso porque eu provenho de uma linhagem emaranhada ao que se pode dizer de sobrenatural e místico.

    - Shshshshshshs... – o som da cachoeira fez meus pensamentos se dispersarem.

    A colina de pedras escorregadias e úmidas formava o único caminho até o templo e era um dos obstáculos a coibir os turistas.

    Subir pelas pedras recobertas de musgo nunca era agradável. No início, eu me lembro que sempre deslizava pelas pedras e tinha que começar tudo de novo ao me esbabacar no chão. Não foram poucas às vezes em que eu chegava à escola ou ao templo todo esfolado e coberto de lodo. Agora, em poucos segundos consigo passar por este percurso e seguir pelo mar de árvores Aokiga*17, onde as lendas contam que nenhum ser vivo conseguia retornar.

    O bosque repleto de histórias aterrorizantes foi vetado aos visitadores pelo Mikado*18 há várias décadas. Desaparecimentos misteriosos de pessoas a vagar por ali ao crepúsculo, sons estranhos e assustadores ecoando por entre as árvores, monstros a surgir à noite assustando os que ali passavam; bestas ferozes e carnívoras vorazes por carne humana dentre outras histórias que muitos considerariam absurda fizeram que medidas radicais fossem tomadas.

    No início do império, Jin Mu Tennou*19, descendente de Amaterasu, reuniu os Kannushi*20, detentores dos conhecimentos arcanos e naturais para destruir ou selar todos os que estivessem causando algum mal para os humanos. Era necessário estabelecer um limite entre os humanos normais e estas criaturas que muitos ainda acreditam habitar apenas o imaginário da população. Após vários confrontos um acordo entre eles e os sábios do Império, criou condições para a sua permanência sobre o Japão. A principal exigência foi de que os humanos comuns não soubessem de suas existências.

    Estas criaturas fantásticas são as primeiras criações dos deuses, conhecidas como sendo os seres originais. Por compreenderem os elementos naturais e serem capazes de criar e transformar a matéria, eles foram considerados perigosos, principalmente aqueles que se achavam superiores aos que não tinham tais habilidades, muitas vezes tornando-os escravos e até mesmo alimento para satisfazer seu apetite.

    Embora eu saiba da existência dos seres originais, eu tive contato com alguns poucos que respeitam os humanos a ponto de manter uma relação cordial, mesmo com os atos repressores do Mikado contra eles. Meu avô os recebia com frequencia no templo, mas só há poucos meses eu pude conhecer e conversar com alguns deles, mantendo uma relação especial com um deles.

    - Hum... – achei que fosse impressão, mas eu estava sentindo que alguém me seguia há algum tempo.

    Fiquei em posição de guarda, preparando-me para o confronto. Apesar de ter treinado arduamente várias técnicas de luta em todos esses anos, eu nunca estive em uma batalha de verdade, ao qual minha vida pudesse correr algum perigo real. Estava nervoso e isso transparecia em minha face assustada, o que não era nada apropriado. Um bom lutador, não poderia demonstrar fraqueza frente ao inimigo.

    - Saudais ao rebento. – uma névoa lilás rodeou minhas pernas. – Enfim tu me notaras.

    Saltei para me desvencilhar do ataque. Tinha de manter a calma e tentar prever seus próximos passos. Ler seus movimentos e bloqueá-lo, deixando-o sem ação. Seres milenares eram astutos e precavidos, eu um mero humano teria de me esforçar para enganá-lo.

    - Estais a se acanhar. – a névoa voltou a se aproximar.

    - O que você quer? – disse sem baixar a guarda. – Apresente-se.

    A névoa dissipou-se e em seu lugar uma raposa de pelo castanho avermelhado aproximou-se.

    - Shak... Shakko-sama*21? – relaxei um pouco ao saber que se tratava dela.

    - Aviso-lhe a ti a não pisares nesta terra no presente ciclo. – a raposa de três caudas não costumava ser hostil comigo. – Deves permanecer afastado até o fim da lua rasante.

    - O que há para não permitir minha presença? – eu sabia que estava sendo impertinente com uma entidade superior.

    A névoa lilás voltou a surgir, levando Shakko consigo.

    - Estás notificado. – foi à única resposta.

    - Não gosto nenhum pouco disso. – sempre que alguma entidade poderosa surgia para nos advertir de algo, significava problema. – O vovô precisa saber. – não duvidaria de que ele já tivesse sido avisado e a tenha pedido que me mandasse o recado. – Estou com um péssimo pressentimento.

    ***

    - Vovô, vovô! – corri pelo corredor até encontrá-lo. Ele estava tomando um chá verde na maior tranquilidade. – Recebi um recado que o senhor pode se interessar.

    - Já não era sem tempo de aparecer. – ele jogou um bo*22 em minha direção que por pouco não consegui pegar. – Está atrasado.

    - Eu sei, mas... – suspirei aliviado por pegar o bo com destreza. – Shakko-sama apareceu e...

    - Quer você longe da floresta? – ele terminou a frase por mim. – Ela já esteve aqui. Pedi-lhe o favor de avisar-te, e claro pagando o preço adequado por tal solicitação. Saldei a dívida, pregando-lhe com a hostilidade de Shakko-sama. – sorri ao compreender a atitude áspera e inesperada. – Há tempos não a via tão entretida com um pagamento.

    - E porque ela fez tal exigência? – meu avô me fuzilou com os olhos. – Gulp! – engoli em seco.

    - Deveria medir um pouco melhor suas palavras! – ele respondeu com rispidez. – Não tenho nenhuma obrigação de ser seu garoto de recados ou lhe dar qualquer satisfação. Espero que tenha tido o mínimo de respeito por Shakko-sama, já que parece não o ter para os mais velhos.

    - Eu... – ao lembrar como fui grosseiro com Shakko, eu fiquei envergonhado. – Peço perdão. Eu estava nervoso e...

    - Se você realmente quer algum respeito, não se agarre a essa arrogância e atrevimento que você preza tanto. – ele voltou a tomar seu chá ignorando a minha presença.

    Sai carregando o cajado, enraivecido e frustrado com minha atitude. Desci as escadas em passadas fortes até o pátio, alongando-me para poder treinar. Primeiro eu tinha de me livrar de toda e qualquer emoção, tornando o bo nada além de uma extensão de meu corpo. Isso era extremamente complexo, eu demorei anos até conseguir me manter assim, com a mente livre e serena.

    Muito embora a espada seja a arma símbolo do clã Minoru, o bo de madeira era a arma ao qual eu tinha maior intimidade. Meu avô não ficara nada satisfeito ao perceber isso, mas nunca me disse nada diretamente.

    Após alguns minutos, meu avô finalmente desceu e sentou-se no estrado de madeira acendendo dois incensos, logo em seguida.

    - Hoje eu lhe farei um desafio. – ele disse ao terminar de se acomodar.

    Olhei em sua direção com intensidade. Ele percebeu meu descontentamento, mas não se expressou quanto a isso.

    - Para provar que está preparado para seguir como um verdadeiro membro do clã Minoru, eu proponho que alcance o topo da cachoeira. – ele disse seriamente. – Se não for capaz desse ato, eu terei... – ele pigarreou, mas continuou. – de conseguir um discípulo com as habilidades necessárias.

    - Vovô? – eu percebera que não poderia falhar. O resultado poderia ser desastroso para ambos.

    - Terá todo o tempo para conseguir, desde que permaneça em meio à correnteza. Caso saia do fluxo do rio, eu não terei escolha a não ser recusar a sua permanência aqui. – disse confirmando o que ele mesmo deixara subtendido. Se eu falhasse, poderia partir sem arrependimentos. Eu não seria nada mais para ele.

    - Irei conseguir. – não queria cortar os laços com a única família que me restara. Meu avô já estava com uma idade avançada, o que muito em breve, me obrigaria a tomar certos cuidados para preservar sua saúde. Não poderia me afastar dele logo agora.

    A face senil com poucas rugas abaixo dos olhos negros não evidenciava sua idade, mas eu vi com o passar dos anos o peso do tempo sobre seu corpo e seus movimentos, ele não conseguiria viver só.

    - Como último conselho, não como o seu mestre e sim como o seu avô. – ele falou assim que me virei para ir até a base da cachoeira. – Sintonize-se com o fluxo da correnteza, una-se a ela e conseguirá com certeza meu neto.

    - Obrigado, vovô. – o contemplei de perfil tentando ler suas feições, saber o que estava se passando em sua cabeça. Pensei ter visto uma lágrima em seu rosto, mas em um piscar de olhos já não havia mais nada. Ignorei o fato, por pensar que meus olhos estavam me pregando uma peça, já que eu me sentia entristecido e apavorado com a possibilidade de ter que partir. Foquei meus pensamentos no que realmente era importante. Corri determinado a vencer o desafio que me foi imposto.

    ***

    Eu sempre me impressionava com a imponência da queda d’água a fluir por entre as pedras do desfiladeiro. Parecia uma tarefa impossível de ser realizada. Seguir contra a corrente e alcançar a pedra embocada ao topo da cachoeira. Iria ser o teste mais difícil ao qual já passei na vida.

    Aproximei-me da margem observando meu reflexo desajustado no rio em constante movimento. Meus olhos negros justos e pequeninos, não conseguiam esconder a minha determinação. Coloquei o bo no suporte em minhas costas, retirei os sapatos, relaxei os músculos e coloquei os pés na parte rasa, confirmando que começara meu desafio. A água apesar de fria dava uma sensação deliciosa e refrescante, um alívio para a pressão que eu estava sentindo agora.

    - Eu vou conseguir. – olhei para o templo, meu lar por tantos anos. Não poderia e não iria acabar assim.

    Mergulhei a cabeça na corredeira d’água preparando-me para a escalada. Ao tentar prender minhas mãos as pedras, notei que seria quase impossível me manter apoiado a elas, mesmo assim eu continuei. Ao amparar os pés nas pedras, não consegui suportar a força da água a me puxar para baixo, caindo logo na primeira tentativa.

    - Droga. – eu sabia que não seria fácil, no entanto achei que fosse me sair melhor nessa empreitada. – Vamos de novo e de novo, quantas vezes forem necessárias. – disse a mim mesmo.

    Não iria me deixar abater. Seguiria em frente. Desta vez, observei o fluxo d’água, dica que eu deveria ter seguido logo de início. Estabilizado em uma única constância, seria realmente mais fácil se eu conseguisse acompanhar o fluxo da correnteza.

    - Vamos de novo. – coloquei as mãos entre a água, procurando as pedras que estabilizariam melhor o meu corpo para a subida. Assim que tentei subir, a força da água me derrubou novamente.

    - Isso vai ser mais difícil do que eu imaginava. – resmunguei. – Acalme-se. – respirei profundamente avaliando as possibilidades.


    ***

    Continuei nessa por horas. Exausto, sequer me levantei da última queda. Permaneci flutuando no rio para recuperar as forças. Na teoria eu conseguia seguir o fluxo da água, mas ao tentar na prática, parecia impossível.

    Eu estava alquebrado. Meus dedos enrugados e machucados palpitavam, estremecendo e fraquejando em puro descontrole. As articulações estavam duras e mal se movimentavam. Não estava mais tão confiante, contudo inexistia a chance de eu desistir. Já estava anoitecendo, ficaria ainda mais frio o que dificultaria bastante a minha escalada. Para relaxar, deixei meu corpo boiando na água. Fechei os olhos, e em pouco tempo comecei a dormir, tamanho o cansaço.

    Alguém me empurrou para dentro d’água fazendo com que eu acordasse de súbito. Seja lá quem fosse tentava me afogar. Percebi pelas mãos, que por serem frias, mucosas e finas demais, não eram de um ser humano.

    Desferi um soco contra o ser desprezível que tentava me matar. Ele berrou agudamente e se afastou. Com isso aproveitei a distância para pegar meu bo e me preparar para o ataque. Com o contato pude sentir sua pele áspera e escamosa, confirmando que não era um ser humano. Provavelmente era um ser asqueroso querendo me fazer de jantar.

    - Tome isso. – percebi que alguém se aproximava e então lancei um ataque certeiro.

    - Shiiiaaaaaaaaa! – ele guinchou novamente.

    Desta vez pude ver quem me atacou. Era magro, pequeno e não aparentava ter muita força. Tinha uma carapaça em suas costas, a pele escamosa e escorregadia e o rosto faminto por comida. Não tinha certeza de quem poderia ser, mas eu suspeitava que pudesse se tratar de um Kappa*23.

    Estava tentando me lembrar qual a fraqueza de um Kappa, mas com o calor da batalha não conseguia pensar com a frieza necessária. Com um ataque traiçoeiro, o Kappa golpeou minhas pernas, avançando em meu abdômen com uma mordida.

    - Ahhhh! – seus dentes afiados perfuraram facilmente a minha pele, e em consequência disso, o sangue começou a escorrer pela minha perna. Ele forçou a mordida, machucando e dilacerando minhas vísceras, deliciando-se com o meu sangue. Acertei um golpe em sua cabeça, fazendo-o largar. A dor latente deixou-me atordoado, forçando-me a ajoelhar. – Você me paga! – firmei a mão para tentar estancar o sangramento. Ao pressionar o local senti uma pontada dolorosa e insuportável. Eu agora estava vulnerável para outro ataque, mas estranhamente ele não revidou.

    Ao olhar a minha frente, vi que o Kappa fazia uma reverência para mim. Da maneira em que eu estava, poderia se imaginar que eu estava curvado para saudá-lo e em sinal de respeito ele o tenha feito em retribuição.

    Percebi ao notá-lo com mais exatidão que ele tinha uma depressão em sua cabeça com água dentro, que no momento caía no rio pela posição em que se encontrava.

    Lembrei assim como conseguiria derrotá-lo. A força de um Kappa vinha da água em sua cabeça, vira isso no Kojiki há algumas semanas, como pude esquecer. Agora que ele a perdera, eu conseguiria derrotá-lo. Mesmo eu estando debilitado, ele não seria páreo para mim.

    Permaneci por mais um tempo ajoelhado para me recompor, e em seguida avancei contra o Kappa. Acertei um golpe em sua face, deixando-o acuado. Com medo, ele embrenhou-se na mata, fugindo covardemente.

    - Agora entendo a preocupação de Shakko-sama. – ela estava tentando nos preservar dos ataques dos seres malignos que devem ter surgido na floresta até que se livrasse deles e trouxesse segurança novamente para atravessá-lo.

    Eu não conseguia me manter alerta, se houvesse outros eu estaria perdido. Apoiei o bo no chão e com cuidado tirei a camisa. Lavei a ferida, o que ardeu um pouco e improvisei uma compressa para que o sangramento não voltasse. Continuei naquela posição até o amanhecer.


    ***

    Pela manhã, eu tentei pescar um peixe, mesmo sabendo que seria impossível cozê-lo. Após várias tentativas consegui um linguado que poderia saciar um pouco a minha fome. Um pouco enojado, comecei a comer o peixe totalmente cru. Meu estômago não suportou mais que três mordidas, e se forçasse mais, eu iria vomitar.

    - Argh! – fiz uma careta ao tentar empurrar aquilo pela minha garganta. Bebi água para que a comida descesse mais facilmente.

    Após um café da manhã intragável, voltei para a escalada. Eu não notara nenhuma evolução que pudesse auxiliar em minha empreitada, na verdade, eu estava um trapo, com maiores chances de falhar do que no primeiro dia. Mesmo com todos os contras, eu era persistente e iria continuar ali até conseguir, mesmo que levasse um século.

    3 dias depois...

    Minhas roupas estavam largas. Desde que comecei a escalada devo ter perdido muito peso. Não suportava comer grandes porções de comida, e todo o esforço somados ao sol e calor do dia, estavam acabando comigo. Não pude dormir a noite, mantendo-me alerta a algum novo ataque por parte dos Kappa. Eu estava ciente que nesse ritmo, iria definhar até a morte.

    Todavia eu fizera grandes avanços nesse período. A cachoeira não tinha um fluxo constante como aparentava. Cada ponto apresentava uma velocidade, tornando o desafio de chegar ao topo ainda mais instigante. Eu intuí que o fluxo corrente em meu corpo tinha de compreender, primeiramente o fluxo corrente da cachoeira. Através disso, nós iríamos criar uma conexão para alcançarmos o entendimento pleno.

    Eu sabia que não poderia realizar tal feito tão cedo, mas ao menos pude compreender o suficiente, eu espero, para chegar ao topo. Em minha cabeça, classifiquei por um esquema de cores, o fluxo em cada ponto da cachoeira. Dessa forma, consegui definir quase toda a cachoeira, restando um pouco mais de um terço que ainda não havia alcançado.

    Até o fim do dia eu calculei ser o tempo para concluir o desafio. Recomecei o alpinismo aquático, subindo em intervalos regulares, de acordo com o fluxo da cachoeira. Vermelho: fluxo rápido, movimentos firmes, tronco rígido; Amarelo: fluxo intermediário, movimentos estáveis com mais abertura; Verde: fluxo baixo, estabilidade nos pés, a todo o momento repassava mentalmente as informações que consegui absorver nesses três dias.

    Alcançando o desconhecido, consegui acertar vários pontos do fluxo, infelizmente eu escorreguei. Devido à altura elevada eu iria colidir com a água, me machucando gravemente. Eu já previra isso e me preparara adequadamente para que isso não acontecesse, embora não estivesse totalmente seguro de que fosse conseguir. Saquei o bo e concentrei minhas energias nas extremidades do cajado. Numa ação rápida, girei o bo para baixo, a água aderindo-se abaixo dele e formando um redemoinho, amortecendo o impacto.

    - Isso! – jamais conseguira utilizar com eficiência os elementos da natureza, mas finalmente havia obtido sucesso. Meu avô ficaria orgulhoso de meu feito. Eu desde o início fora uma negação em compreender a natureza, era incapaz de me harmonizar a constância e fluidez da água, o elemento ao qual meu avô sintonizava-se com extrema perfeição.

    Sintonizar o fluxo da cachoeira ao do meu corpo, me fez criar uma ligação com a água, permitindo um feito extraordinário. Por um breve momento, a água cedeu sua força para me ajudar. Agradeci encarecidamente ao Lago Motosuko*24 pela confiança depositada em mim e voltei a escalar a cachoeira. Desta vez eu sabia que conseguiria.

    Pressionei meus dedos as pedras escorregadias e traiçoeiras, escalando mais uma vez a parede d’água. Calculei o curso d’água, organizando meus movimentos e acompanhando o fluxo da cachoeira. O meu sangue a pulsar entremeou-se a cachoeira, harmonizando-se. Uma sensação inexplicável se aterrou em meu peito, como se eu não fosse mais humano. Eu agora era parte da cachoeira, apenas mais um elemento a se compor a natureza.

    - Consegui! – gritei ao tocar a pedra incrustada ao topo da cachoeira, perdendo a percepção deste estranho sentimento. Pude me sentar na base da pedra para descansar e aproveitar a paisagem ao qual há pouco eu me incluía perfeitamente.

    - Finalmente conseguira. – toda a minha vontade em continuar ao lado do meu avô foi transferida para vencer este desafio, já não me sobrava mais forças agora. Estava exausto e com o meu coração transbordando de felicidade.

    Enquanto recuperava o fôlego, um helicóptero de brilho negro aproximou-se, lançando lufadas de ar em uma ventania mediana. O barulho irritante confundia minha cabeça, me forçando a tapar os ouvidos.





    Glossário

    MITOLOGUE [16 +] JPfuji054X

    *1 Fuji goko – faz referência aos cinco lagos situados ao norte do Monte Fuji: Yamanakako, Kawaguchi, Saiko, Shojiko e Motosuko. Acredita-se que a formação desses lagos se deu em outrora quando as lavas vulcânicas do Monte Fuji interrompem o curso do rio dando origem aos lagos.

    *2 Deidades – é a fonte de tudo aquilo que é divino.

    MITOLOGUE [16 +] Izanagi_and_Izanami_R%5B7%5D

    *3 Izanagi e Izanami – Deus criou e enviou Izanagi e Izanami a Terra como seu representante. Juntos criaram a “terra” que hoje é chamado Japão. Eles se casaram para formar seus descendentes.

    *4 Amaterasu – A primeira filha, deusa Xinto do sol. Segundo o Kojiki, a família imperial do Japão iniciou-se com Nihigi, seu neto.

    *5 Tsukiyomi – O segundo filho, deus Xinto da Lua.

    *6 Susano-o – O terceiro filho, deus Xinto do Trovão.

    *7 Hatsukaichi – é uma cidade localizada na província de Hiroshima, onde localiza-se Itsukushima.

    MITOLOGUE [16 +] Itsukushima-shrine-500

    *8 Miyajima – literalmente ilha-santuário. Templo dedicado às deusas guardiãs do mar. Famosa por suas magníficas paisagens.

    MITOLOGUE [16 +] 4052672180_a283a58e06

    *9 Otorii – O portão sagrado de Otorii, símbolo da ilha de Miyajima. Um portal construído para trazer proteção.

    *10 Taira no Kyiomori – ergueu o primeiro portal do Templo Miyajima. Ele já foi reconstruído sete vezes.

    MITOLOGUE [16 +] 13_02

    *11 Itsukushima – ilha situada no mar inferior, no município de Hitsukaichi, na província de Hiroshima. É considerado Patrimônio Mundial pela UNESCO. Também é conhecida pelo nome Miyajima. É famosa pelos cervos que circulam livremente pela ilha e que são considerados como mensageiros dos deuses pela religião Xinto.

    *12 Kurosu – cruz em japonês.

    *13 Katasu – fusão da cruz guardada pelas deidades do mar a espada katana.

    *14 Kojiki – é o livro mais antigo sobre a história do Japão antigo. Nele estão contidas todas as histórias sobre a origem do mundo, a origem dos Kamis (deuses), e o início da civilização japonesa. Através dele, toda a mitologia japonesa e o principio da tradição xintoísta estão registrados.

    *15 Nihongi – às vezes traduzido como Crônicas do Japão, é o segundo livro mais antigo sobre a história do Japão. Ele inicia com lendas mitológicas, mas continua com o relato de eventos históricos do século VIII.

    *16 Kojidi-ken – constitui em um acervo histórico e religioso dividido em quarenta e quatro volumes e com inúmeras citações e dedicações a Deusa Amaterasu.

    *17 Mar de Árvores Aokiga ou Aokiga harajukai – a área ao redor do Monte Fuji é composta de rochas ígneas altamente magnéticas, que deixam as bússolas desnorteadas. A floresta é tão densa, que a luz do dia mal consegue penetrar. O solo é repleto de relevos, dificultando a locomoção pela região. Há a lenda de que nenhum ser vivo conseguiu retornar da floresta.

    *18 Mikado – um termo datado para Imperador;

    *19 Jin Mu Tennou – Segundo o Kojiki, após sair da caverna, Amaterasu volta com os demais deuses para o reino divino e decide enviar seu neto, o jovem Nihighi para governar a terra dos homens. Ele conhece uma jovem e a toma como esposa. Dessa união, nasceu Jin Mu Tennou, que funda o reino de Yamato, antigo nome dado ao Japão. Esse bisneto de Amaterasu, segundo acredita-se é o tronco da árvore genealógica da Casa imperial japonesa.

    *20 Kannushi – sacerdotes da Deusa Amaterasu. Muitos deles eram membros do Estado, da elite econômica e geralmente possuíam ligações de sangue com a família do Mikado. Atualmente esses sacerdotes são conhecidos como Jin Kwan, e não possuem mais o caráter aristocrático primitivo.

    MITOLOGUE [16 +] 450px-Inari-kitsune

    *21 Shakko – Kitsune de pelagem avermelhada. Não distinguem o bem do mal por não possuírem moral. Acredita-se que possuam uma inteligência superior, vida longa e poderes mágicos. Outras habilidades sobrenaturais atribuídas ao Kitsune incluem cuspir fogo pela boca ou gerar fogo ou relâmpago de sua cauda, voo, invisibilidade, ilusões, e a capacidade de invadir os sonhos dos outros. Elas são um tipo de youkai ou de entidade espiritual, refletido não no sentido de um espírito, mas de um estado de conhecimento ou iluminismo.

    *22 Bo – é como um cajado normal, mais ou menos da altura de um homem adulto.

    MITOLOGUE [16 +] Kappa

    *23 Kappa – também conhecido como gataro ou ainda kawako. É um youkai aquático do folclore japonês. Arrasta suas vítimas para dentro d’água, onde as afoga e as mutila. Diz-se que seu prato predileto é o fígado humano. Ele pode ser tanto benéfico quanto maléfico. Sua pele é escamosa e verde-amarelada, tem cara de macaco, casco de tartaruga, mãos e pés com membranas. Seu traço físico mais característico é uma depressão em forma de pires no topo da cabeça, que deve sempre conter água, para que o Kappa possa conservar seus poderes sobrenaturais e sua força.

    *24 Lago Motosuko – Considerado o nono lago mais fundo do Japão. Como a temperatura de suas águas não atinge menos de quatro graus centígrados, este é o único dentre os cinco lagos do Monte Fuji que não congela durante o inverno.



    Em um futuro próximo:

    "Epístola 002 - Lógica destituída."

    Eu estava enganado. Completamente enganado. Me privaram de uma extraordinária descoberta, ou melhor, me negaram informações privilegiadas.
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    MITOLOGUE [16 +] Empty Re: MITOLOGUE [16 +]

    Mensagem por Mr. Mudkip 09.04.12 21:28

    Olá a todos! Segunda epístola de Mitologue pra vocês. Inédita, espero que gostem. Comentem!



    Epístola 002 – Lógica destituída


    Dinamarca – Odense*1, Syddanmark*2, Condado de Fiónia*3 – 2016


    Eu gostaria de ver o mundo através de eventos e probabilidades, saber como um acontecimento acrescenta novos elementos para compor outra realidade. Poder compreender a rede de números e algoritmos na incoerente variação do espaço, conectá-los e libertá-los da desordem.

    Caos, nada mais é do que a impossibilidade de explicar um evento sob a forma de equação. A incapacidade de decifrá-los torna tudo mais tedioso. Claro, eu não fujo a regra. Sou apenas mais um a me enfiar nesta malha de informações complexas. Incapaz de entendê-las, eu sigo um caminho sem volta. Indo e voltando de encontro ao caos.


    ***

    - Thomas pode resolver esta sentença? – sempre montando maneiras de me constranger em frente à turma, a professora Perkins não se satisfazia ao entregar minhas notas beirando a reprovação. Tinha uma necessidade patológica em causar pânico nos alunos, sendo eu o alvo preferido.

    - Posso tentar. – ajeitei os óculos, motivo de chacota entre meus colegas e me aproximei da lousa.

    Analisei a fórmula matemática, puxando em minha memória exemplos que pudessem me ajudar. Meio inseguro, resolvi as sentenças até obter o resultado.

    - Muito bem. – ela se aproximou e assinalou corretamente. – Está melhorando Thomas, pode sentar. Respondeu corretamente.

    - Sério? – alguns riram da minha reação.

    - Você não é o primeiro aluno a ter dificuldades em matemática, mas todos podem vencer suas dificuldades e aprender. – ela pegou o apagador. – Agora sente-se, Thomas. Tenho de continuar a matéria.

    - Ah, certo. – caminhei até a minha carteira analisando as probabilidades de aquela cena se repetir. Ser bem tratado pela senhorita Perkins e acertar uma questão de matemática tão facilmente me parecia impossível.

    - Mandou bem Loser. – o garoto ao meu lado sinalizou um L com as mãos.

    Ignorei o fato. Era perda de tempo revidar.

    Ao fim das aulas da manhã, fui para o refeitório almoçar. Sentei a mesa dos fracassados. Eu pertencia ao mesmo grupo social, embora eles odiassem ser denominados assim e ter a companhia de um igual. Deveria ser o oposto, tentar nos unir e convivermos juntos, mas manter-se afastado era uma forma de ter esperança de subir na escala social. No meu caso, não me importava com essas frivolidades. Não tinha amigos e nem os queria por perto. Aqui era impossível conseguir amigos de verdade. Manter as aparências retirava qualquer chance de se relacionar, e por isso não podia confiar em ninguém.

    Após um almoço silencioso, fui para a sala estudar. Tinha de me esforçar, porque amanhã eu faria uma prova a fim de conseguir uma bolsa para um internato em Copenhague. Detestava voltar para casa e até mesmo ficar aqui. Não pertencia a essa cidade. Queria me livrar daquele olhar nefasto de minha mãe, mimando meus meio-irmãos e descontando suas frustrações em cima de mim, não ter de rever meus colegas esnobes e estúpidos, seria um sonho realizado.

    Queria ter um lugar para chamar de lar, talvez o tivesse se meu pai e minha meia-irmã convivessem mais comigo. Sou o único fruto do casamento deles, no entanto ambos já tinham filhos, dois meninos por parte de mãe e uma garota por parte de pai.

    Meus meio-irmãos, Endrich e Kaio, dois imbecis. Vivem arranjando brigas e se envolvendo com más companhias. Eu tenho medo de suas atitudes, muitas vezes beirando a agressão. Minha meia-irmã Clarisse preferiu fugir da companhia de uma madrasta amarga e foi morar com meus tios em Copenhague, a desgosto do papai. Agora faz ciências políticas pela Kobenhavns Universitet*4 e disse para mim que quando tivesse condições iria me tirar desta casa.

    Enquanto isso não acontece, eu estou arranjando meios de escapar de maiores danos psicológicos e evitar futuras sessões de análise em companhia de um psicólogo para superar meus traumas com essa chance de ouro.

    ***

    No período da tarde terminei o trabalho de história sobre a canonização de São Canuto*5, enquanto não dava a hora do clube de informática. Durante os desafios de hoje, não me sai bem. Meus pensamentos estavam focados em passar na prova, e por isso fui o último a terminar de quebrar as barreiras do firewall.

    No fim das aulas, decidi ir a um cyber café. Queria evitar ao máximo a minha permanência naquela casa. Já estava acostumado a chegar e sair de lá com todos dormindo. Chegava tarde e madrugava todos os dias para não ter de vê-los. Pode parecer exagero, mas ninguém sente na pele o que eu passo.

    Ocupei uma das mesas do fundo, estudando pelo notebook e fazendo anotações. Continuei a estudar via internet, e aproveitei para tomar um cappuccino e comer uma torta holandesa. Passava das dez quando fui embora. Como estava perto de casa desisti do metrô. Nestas horas era meio perigoso.

    A noite estava calma e decidi ir a pé. Passei por uma avenida meio deserta nas proximidades de um posto de combustível, onde um carro abastecia. O motorista estava impaciente, ficava olhando para o relógio e resmungando pela demora. A atendente da loja de conveniência com os braços escorados no balcão, em total desânimo. Pela lentidão dos funcionários, o movimento noturno durante a semana deveria ser bem baixo.

    De repente, os postes de luz começaram a piscar e falhar. Era raro haver quedas de energia, ainda mais sem haver uma tempestade envolvida. Deveria ser algum interferente nos cabos subterrâneos, já aconteceu ano passado. Lembro que perdi um trabalho de português no computador por não ter salvado e tive de refazer tudo. Continuei caminhando, mas aos poucos o chão começou a tremer e chacoalhar. As placas vibravam intensamente a ponto de uma espatifar-se em centenas de cacos de vidro, assustando a todos. Terremoto?

    - Shhhh! – labaredas gigantescas arrancaram a tampa do bueiro.

    A noite se iluminou em chamas trepidantes engolindo o posto de combustível em explosões estrondosas. A fumaça negra espalhou-se, impedindo ver muita coisa. Pessoas lançavam gritos de desespero diante de tamanha destruição. Chamou-me a atenção silvos graves vindos a minha frente.

    - Ah! – uma baforada de ar quente ardeu-se em meu corpo.

    A curiosidade era mais forte que o medo. Mesmo sabendo do perigo, aproximei-me do fogo e calor intensos e de uma provável morte. A cada passo em direção as labaredas infernais era mais perceptível o som de sibilos bestiais ocultados pelo barulho do fogo.

    Ao ver o comportamento singular das chamas percebi que elas possuíam autonomia. Devoravam o fogo como se estivesse se alimentando dele.

    - O que? – um enorme lagarto em chamas olhou para mim dando uma pausa do ardente petisco.

    O suor escorria pela minha face, a respiração confusa diante de novas e improváveis evidências. Eu não conseguia acreditar. A simples hipótese de aquilo ser real gerava ódio em mim. Eu fora enganado. Completamente enganado. Me privaram de uma descoberta extraordinária, ou melhor, me negaram informações privilegiadas.

    Mesmo com a lógica destituída, eu não duvidava do que via. Sempre acreditei em grandes mistérios fluindo pelo universo, muito além do que se pode imaginar.

    - Whaaaa! – desorientado, o estranho ser em chamas engalfinhou-se pelos esgotos fugindo da única testemunha da barbárie.

    A fumaça dissipava-se evidenciando os destroços de onde há pouco um posto de gasolina funcionava. Agora minha mente desconexa lutava para entender e encaixar os últimos acontecimentos. Pessoas. Havia pessoas ali. Minhas mãos tremiam de hesitação, nunca lidei bem com a morte. Aquele ser horrendo matou pessoas, ele deveria pagar, mas ninguém acreditaria em mim. Jamais.

    - Garoto, você está bem? – um bombeiro me afastou das carcaças fumegantes.

    - Estou. – esfreguei o rosto, retirando o excesso de fuligem. – Vou ficar bem. O que houve? – precisava confirmar minhas suspeitas.

    - Não pense nisso agora. – ele me levou até uma ambulância.

    - Por favor. – disse suplicante.

    - Ainda não sabemos, pode ter sido criminoso, mas também um acidente ou falha humana ou mecânica, para ser franco, só os peritos podem confirmar. – ele conversou com a paramédica e voltou para procurar mais sobreviventes. – Fique com ela.

    - Me chamo Loren, qual o seu nome? – a mulher iluminou meus olhos e observou a mucosa dos meus olhos.

    - Thomas. – eu estava em conflito. Precisava fazer algo, não poderia deixar um crime sair impune, mesmo que tenha sido cometido por um monstro.

    - Idade? – ela me pediu para sentar na maca. – Qual a data de hoje?

    - Quinze. – ela fez outros exames clínicos e pediu para aguardar. – Onze de junho de dois mil e dezesseis.

    - Ótimo. Poderia ligar para os seus pais? – acenei e então procurei na agenda o número do papai.

    Alguns minutos depois ele apareceu.

    - Meu filho. – como estava tudo bem comigo, eu permaneci na ambulância até ele chegar. –Sou Roy Averry, o pai do Thomas. – ele me abraçou com força. – Você me deu um susto garoto.

    - Desculpa. – estava atado. Eu só tinha uma escolha. Permanecer calado sobre o ocorrido. Ninguém acreditaria mesmo – Por sorte, eu sai ileso.

    - Ainda bem. – ele beijou minha testa e suspirou aliviado. – Nem sei o que eu faria... Vamos esquecer isso. Você está bem e é tudo que importa.

    - Quero ir pra casa. – naquele instante só importava descobrir alguém que acreditasse em mim. – Estou cansado.

    - Tudo bem. – ele me deu outro abraço. – Podemos ir?

    - Sim, antes que os repórteres cheguem. Isso vai virar uma bagunça. – Loren sorriu e se despediu.

    - Obrigado. – caminhamos até o carro. – Você viu o que aconteceu?

    - Não. – olhei para o meu reflexo no vidro do carro. – Só a explosão e mais nada.

    - Certo. – ele me conhecia bem e sabia que eu escondia algo, mas não me pressionou.

    As luzes da entrada estavam acesas, infelizmente seria obrigado a vê-la hoje.

    - Roy? – a porta de entrada, minha mãe certificou-se de sermos nós. Ela temia bandidos invadirem a casa. Uma bobagem. Em anos, apenas uns poucos assaltos aconteceram em nossa rua, à maioria das mortes aconteciam por outros motivos, como suicídios e crimes passionais.

    - Já chegamos querida. – ela manteve a porta entreaberta e foi para a sala.

    Ela estava de roupão, sentada a beira do sofá de couro com um livro em mãos.

    - Dianne, não vai nem se levantar? – meu pai sempre se aborrecia com as atitudes ríspidas dela.

    - Não precisa. – disse enquanto ela colocava o livro sobre a cômoda e ajeitava a luminária.

    - Ora Roy, o garoto está bem, isso é o que importa. – ela balançou a cabeça.

    - Mas poderia não estar. – ele replicou.

    - Mas está. – ela respondeu duramente. – Só precisa de um banho e roupas limpas. Nada além disso. Se estiver com fome, tem comida na geladeira. E se apresse. Se me lembro bem, amanhã você terá prova. Não precisa de mais uma reprovação no histórico, não é.

    - Dianne. – ele colocou as chaves dentro da gaveta e desistiu de continuar a discussão. Seria em vão. – É muito bom te ter em casa meu filho.

    - Obrigado pai, mãe. – por respeito a inclui no agradecimento, mesmo que não o merecesse. – Vou subir. Boa noite.

    - Boa noite. – ambos responderam.

    ***

    Passei a noite em claro, relembrando do senhor que abastecia o carro, o jovem do posto de atendimento, o velhote e a garota da loja de conveniência. Todos mortos. Eu tinha de fazer algo. Meu senso de justiça ressoava em meu peito, cobrando alguma ação.

    Fiquei pensando em quem procurar. Se alguém sabia da verdade. Certamente há alguém. Mas quem?

    Pela manhã eu liguei a televisão, estava curioso para saber as notícias do acidente e também passei a procurar algo nos sites de busca sobre aquela criatura em chamas. Para começar tentei “lagarto de fogo”, foi à primeira coisa que veio a cabeça. Milhares de páginas surgiram, e sem escolhas abria página por página, sem deixar nada para trás. Dentro dos vários textos pesquisados, me chamou a atenção a palavra mitologia. Em algum ponto da história estes mitos foram considerados reais e talvez fossem. Eu agora tinha certeza, eram reais.

    Ao me aprofundar no tema, descobri o termo “salamandra de fogo*6”. Um animal rodeado de elementos místicos e sobrenaturais, exaltando suas capacidades sobre o fogo. Em tempos antigos, estes animais eram temidos, tudo porque elas pareciam sobreviver ao fogo, um elemento poderoso e incontrolável.

    Essas lendas foram criadas devido ao comportamento das salamandras. Geralmente, elas vivem dentro de gravetos ocos ou debaixo de pedras. Quando acendiam fogueiras, dentre algumas horas elas saíam de seus esconderijos e as pessoas abismadas com esses acontecimentos imaginavam as mais estapafúrdias teorias, e daí surgindo os rumores de serem resistentes ao fogo. As manchas vermelhas e amareladas em suas costas aumentavam os boatos da capacidade extraordinária das salamandras. Claro, comparar um monstro em chamas ao pequenino animal era impensável, mas vários artistas da época pintaram imagens instigantes e tão próximas do que eu vi, eu não podia rejeitar isso.

    “Novas informações direto da redação. O acidente ocorrido ontem em Odense no Condado de Fiónia em um posto de gasolina continua um mistério. As autoridades ainda não têm maiores informações sobre as causas do acidente, mas descartou um incêndio criminoso, trabalhando com a hipótese de falha mecânica. Os peritos trabalham neste momento recolhendo pistas em meio aos destroços deste trágico acidente. Com seis vítimas fatais, o reconhecimento dos corpos será feita por exame de DNA. As famílias...”

    Apertei o mudo no controle remoto, não tinha mais estômago para ouvir aquilo.

    - Mais pessoas. Morreram mais. – e agora? Eu me perguntava como poderia trazer paz aquelas pessoas e a mim. Não conseguiria deixar terminar assim, desse jeito tortuoso.

    Depois continuaria as pesquisas. Se continuasse desse jeito perderia a prova. Depois do que houve, já não importava tanto, contudo em Copenhague, eu poderia ter acesso ao governo, eles deveriam saber de algo.

    Poderia ser arriscado, mas eu iria achar uma forma de revelar esta criatura a toda sociedade e fazê-la pagar.

    ***

    Confesso. Eu poderia ter ido melhor no teste, mas minha mente volta e meia rondava os pensamentos na enorme salamandra em chamas e na indiferença de Dianne. Mesmo assim, eu estava confiante. Saindo do prédio, a surpresa. Meu irmão fora me buscar.

    - E ai maninho? – Kaio puxou meus cabelos com força.

    - Ai. – resmunguei.

    - A mamãe falou que você se fez de coitadinho ontem com o velho. – entrei no carro evitando responder as provocações. – Ela preocupada com você que sempre chega tarde em casa e ainda faz uma dessas.

    - Como se eu tivesse causado o acidente. – falei com sarcasmo. Estava me cansando de ficar calado. Sempre levando na cabeça, sem questionar ou me opor. – Depois do que houve ontem, você não tem o direito de falar nada.

    Ele viu meu estado de nervos e sorriu.

    - Ficou com medinho foi? – me segurei ao máximo para não partir para a agressão física.

    - Não. Só achei divertido ver as pessoas queimarem feito borracha queimada. – ele ficou abalado com a minha resposta e parou de me provocar.

    Ao chegar em casa fui direto para o quarto. Passei o dia vasculhando informações pela internet, não descansaria até conseguir algo de concreto. No fim da tarde, meu pai chegou do serviço e iniciaram-se os gritos em uma briga acalorada. O motivo, eu.

    Depois do que houve ontem, fora a gota d’água para meu pai. Nem a simples possibilidade de me perder tornou minha mãe mais humana, ou sequer mãe. Ela nem se importa. Isso me machuca, não tanto como antes, mas machuca. Meu coração calejado de tantas feridas queria partir dali. Aquela mulher, sequer merecia ser chamada de mãe. Era horrível dizer isso, contudo Dianne não merecia mais a minha consideração.

    Eu ainda tentava manter um sentimento puro em relação a nós, mas ela conseguiu arrancar tudo do meu peito. Sobraram somente os ressentimentos, corroendo o significado da palavra mãe de meu coração. Por isso de agora em diante, eu não iria mais tentar.

    - Dá para explicar porque você o trata assim? – meu pai berrava animosamente. – Eu não entendo.

    - Um dia vai entender. – ela sempre se evadia, lançando respostas vazias.

    Meu pai ainda não se divorciara, pois além da casa, ela queria me manter com ela, muito provavelmente para sustentar a pensão por mais tempo.

    - Você ao menos sente alguma coisa por ele? – meu pai disse em tom de decepção.

    - Pena! – ela berrou e bateu a porta do banheiro com força, terminando a discussão.

    Eu segurei as lágrimas, não iria me abater por causa dela. Da mesma forma que Dianne tem feito estes anos todos, eu serei indiferente. Feito uma pedra, iria manter a firmeza até poder sair deste tormento.

    - Amanhã. – olhei para a tela do computador dividida na figura de uma salamandra em chamas e no link ainda indisponível para o gabarito.





    Glossário


    MITOLOGUE [16 +] City-of-odense3

    *1 Odense – Odense é um município da Dinamarca, localizado na região central, no condado de Fiónia. O município tem uma área de 304,34 km² e uma população de 185 206 habitantes. É um centro comercial de grande importância e local de embarque de mercadorias, além de centro industrial. Conserva entre seus monumentos de interesse a catedral de São Canuto e a igreja de Nossa Senhora.


    MITOLOGUE [16 +] 250px-Map_DK_Odense

    *2 Syddanmark – Região da Dinamarca do Sul, abrangendo Fiónia, Ribe, Jutlândia do Sul e a metade meridional do Condado de Vejle. As principais cidades são Aarthus e Odense.


    MITOLOGUE [16 +] DenmarkFyn

    *3 Condado de Fiónia – O amt da Fiônia (dinamarquês: Fyns Amt) existiu de 1970 a 2006, quando foi fundido com a região da Dinamarca do Sul. Sua capital era a cidade de Odense. Incluía as ilhas da Fiónia, Langeland, Tåsinge, Ærø e cerca de 90 outras ilhas, das quais apenas 25 são habitadas. Do ponto de vista administrativo, a Fiónia está sob a jurisdição da região de Syddanmark.

    MITOLOGUE [16 +] Hovedbygning1

    *4 Kobenhavns Universitet – A Universidade de Copenhague (Københavns Universitet em dinamarquês) é a maior e mais antiga universidade e instituição de pesquisa da Dinamarca. Fundada em 1479, possui mais de 33.500 estudantes, a maior parte dos quais do sexo feminino (57%), e mais de 9.000 funcionários. A universidade têm vários campi localizados dentro e próximo de Copenhague, estando o mais antigo localizado na parte central da cidade. A maioria dos cursos são ministrados em dinamarquês; todavia, mais e mais cursos têm sido oferecidos em inglês e alguns em alemão. A universidade é membro da International Alliance of Research Universities (IARU).

    MITOLOGUE [16 +] 697px-Christian-albrecht-von-benzon%2C_the_death_of_Canute_the_Holy

    *5 São Canuto – Canuto IV (c.1043 - 17 de Julho de 1086), também conhecido como Canuto, o Santo (em dinamarquês, Knud den Hellige), foi rei da Dinamarca entre 1080 e 1086. É o santo padroeiro da Dinamarca.
    Canuto IV era o filho ilegítimo do rei Svend II, tendo sucedido o seu irmão Haroldo III. Casou-se com Adelaide da Flandres, filha de Roberto I, conde da Flandres, e teve um filho, Carlos, que se tornou conde da Flandres. Canuto pretendia estabelecer uma forte autoridade real com base numa igreja poderosa. Ele considerou ser seu o título de Rei da Inglaterra, já que era o sobrinho-neto do rei Canuto, o Grande, que reinou a Inglaterra, a Dinamarca e a Noruega entre 1016 e 1035.
    Canuto IV tentou forçar os camponeses da Jutlândia a participar numa invasão à Inglaterra. No entanto, esta ação provocou antes uma rebelião que culminou com o regicídio de Canuto na igreja de S. Alban, em Odense. Na mesma, morreram o seu irmão Bento e 17 dos seus seguidores. Em 1101, Canuto IV foi canonizado e em 1300, ele e o seu irmão foram enterrados na nova catedral de S. Canuto.
    Após a expansão do Luteranismo, e apesar da sua canonização, Canuto foi visto como um tirano que explorava o povo e foi assassinado pelo mesmo em busca da sua liberdade. Esta interpretação da história é predominantemente vista em escrita de influência liberal e esquerdista. No entanto, os camponeses da Dinamarca medieval tinham liberdade e influência política, ao contrário do feudalismo continental europeu. É de notar que Canuto IV seguia contudo uma linha absolutista, à qual a Dinamarca não tinha sido exposta devido à grande resistência a influências provindas da zona do Mediterrâneo, em reinados anteriores.

    MITOLOGUE [16 +] Elementofogo

    MITOLOGUE [16 +] 04

    *6 Salamandra de fogo – A salamandra de fogo (Salamandra salamandra) é uma espécie de anfíbio caudado pertencente à família Salamandridae.
    A sua pele é característica de cor negra com manchas amarelas. Medem entre 14 e 20 cm de comprimento. As larvas são aquáticas mas o adulto é terrestre. As salamandras são capazes de se defender activamente dos predadores. Adotam posturas anti-predatórias e são capazes de liberar pela pele uma substância tóxica denominada samandrina. Esta substância é um alcalóide que provoca convulsões musculares e uma elevada pressão sanguínea, combinada com hiperventilação. As glândulas de veneno estão concentradas na zona do pescoço e na superfície dorsal. As áreas mais coloridas do animal normalmente coincidem com a localização dessas glândulas.
    Na mitologia grega, a salamandra era um elemental do fogo, que se originava do fogo, era capaz de viver nas chamas, de resistir e ainda apagar fogos. Já os antigos egípcios representaram tal feito nos seus hieróglifos e Aristóteles também relatou tais fatos. Cláudio Galeno, no entanto, negava-o dizendo que as salamandras eram capazes de resistir um pouco ao fogo, acabando por sucumbir a ele. A observação da saída de salamandras de fogueiras, uma vez que muitas vezes escolhem abrigar-se ou hibernar no meio da lenha e escapam quando sentem a temperatura aumentar sem serem consumidas pelas chamas, aliadas à sua coloração com manchas amarelas ou vermelhas, contribuiu para este mito. Além disso, material feito de asbesto resistente ao fogo era vendido com o nome de "lã de salamandra", ajudando a cimentar o mito. O nome salamandra origina deste mito, uma vez que provém do grego para "réptil de fogo”.




    Em um futuro próximo:

    "Epístola 003 - Ignorância e futilidade."

    - Mas você nunca vai saber se não tentar.


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    Mensagem por Mr. Evil 12.04.12 17:59

    Gostei bastante de saber sobre as fanfics XD

    Bem, mais uma epístola ótima, to gostando bastante de todas õ/
    Espero que Mitologue continue cada vez com mais emoção e açõa haha XD

    Ah, parabéns por superar as dificuldades e seguir em frente, seria um incrivel desperdicio fics tão boas sem finalização.
    Congratz ae, e obrigado também, por continua-las õ/

    No aguardo XD

    ~ Evil õ/ ~
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    MITOLOGUE [16 +] Empty Re: MITOLOGUE [16 +]

    Mensagem por Mr. Mudkip 07.09.12 21:09

    Postando a terceira epístola de Mitologue, espero que curtam. Tentarei ser mais rápido agora...

    Ps: Foi delicado envolver um pouco de fé e religião, espero que ninguém se sinta ofendido, pois não é essa a intenção.

    Epístola 003 – Ignorância e futilidade


    Canadá – Montreal*1 – 2016


    - Bebe mais um pouco! – Elise investiu a garrafa em minhas mãos. – Se anima gata! HUHU! – ela berrou com os braços para o alto, lançando-os de um lado ao outro.

    Balancei o líquido amargo e abrasador e passei a forçá-lo pela minha garganta. Feito ácido, ele inflamou-se em meu peito, atiçando meu cérebro até desatiná-lo embaralhando meus pensamentos.

    - Humph! – lancei um breve gemido e bebi mais um gole, gritando para acompanhá-la. Continuamos a gritar loucamente, incitando o guitarrista a compor um solo explosivo repleto de acordes acelerados.

    A adrenalina misturou-se ao álcool e outras substâncias químicas formando um turbilhão junto ao meu sangue, tornando a música cada vez mais excitante. Meu corpo movia-se ao ritmo da música formando arrepios ressonantes pela minha pele.

    Recomposta do êxtase momentâneo, Elise começou um flerte descarado com um cara próximo ao bar. Ele fumava incessantemente um cigarro negro, tragando a fumaça e lançado-a pelas narinas.

    Ele se aproximou de Elise e acariciou sua face. Ela, mais acalorada, apegou-se com ele sem nenhum acanhamento e avançou em vários beijos rumo ao palco.

    De súbito, braços se envolveram em mim, me fazendo acordar do meu estado alterado.

    - E ai? – Liam tentou um beijo, mas enfiei a mão sobre o seu rosto.

    - Mais devagar Liam. – ele balançou a cabeça, contrariado da minha negativa. – Não estou muito no clima hoje.

    - Saco! – ele me impediu de passar. – Agora tem sido sempre assim. Nem um beijinho sequer. O que está acontecendo Mel?

    Olhei de um lado para o outro montando alguma estratégia para me livrar de tudo isso sem ter de magoar ninguém. A música zunia na minha cabeça e já não conseguia pensar em nada.

    - Vai ser assim então? – Liam tentou outro beijo, e agora virei o rosto. – Você quem sabe? Depois não reclama.

    Ele deu de costas e avançou até uma garota e a agarrou em beijos selvagens. Meu peito aquietou-se por um instante. Um segundo de silêncio, de pura inatividade, somente analisando a cena. Logo após, a fúria tomou conta de mim. Os músculos presos, a respiração ofegante, o suor escorrendo pela minha face, um monstro desconhecido surgiu por entre as sombras do meu ser.

    Avancei contra eles e o puxei violentamente dos braços da garota. Ela assustou-se com o gesto agressivo e se afastou. Tasquei-lhe um beijo ardente e o fitei com os olhos sedutores.

    - Essa é a última vez que você sente esse sabor. – sorri maliciosamente deixando-o estupefato. Virei à garrafa de vodka para limpar a saliva dele de minha boca. – A última, Liam. Acabou! Cansei disso.

    - Mel... – era visível o seu arrependimento, mas já era tarde. – Num faz isso com a gente. Eu sei. Fiz burrada. Cabeça quente... Você sabe. – Liam ignorou a garota que há pouco se agarrou para se vingar do meu comportamento e se pôs a minha frente esperando uma resposta diferente.

    - Eu já sei. – o encarei com um sentimento libertador. – Não era pra ser assim. Desde o começo, foi tudo um erro.

    Estava farta de tudo isso. Terminávamos e voltávamos com extrema facilidade e eu não sentia nada por ele. E pensar que eu apenas comecei a me relacionar com ele por pressão social, e também foi por estar nesse círculo opressivo que passei a me envolver com coisas arriscadas.

    - Mel... – ele estava inconformado com cada palavra que saía da minha boca.

    - Depois Liam. – Elise me puxou para longe daquela situação constrangedora. Só agora percebi a multidão cochichando. – Depois.

    Livramo-nos da explosão de cores, sons e sensações da boate, alcançando a madrugada fria e sem luar. As luzes no jardim ficaram pálidas pela névoa fina a cobrir o horizonte, e nesse instante somente meu coração palpitante quebrava o silêncio ao ecoar delicadamente contra o metal dos carros do estacionamento.

    - Fica aí perto do carro, Mel. – Elise estressou-se por em mais uma ocasião perder a chance de uma transa ocasional. – Daqui a pouco eu volto. Vou ver como o Liam está.

    - Certo. – disse mais como um grito do que qualquer outra coisa.

    Dei chutes no ar para extravasar a raiva cravada no meu peito. Ela saiu sem ligar muito do meu estado alterado. Perambulei pelo estacionamento até sentir o estômago se revoltar e me obrigar a lançar tudo para fora.

    - Ai... Que nojo. – forcei as mãos entre as costelas, massageando-as para aliviar o mal estar. – Argh!

    Ajoelhada ao asfalto, bufei raivosamente por deixar me levar mais uma vez pela opinião dos outros, sem me importar com os efeitos sobre mim. Não perceber como minha vida tem tomado rumos fora do meu controle.

    Apertei o alarme do carro para descobrir onde ele estava estacionado. Queria ir embora, me afastar desse lugar, dessas pessoas. De tudo. Eu sabia que poderia arrancar esses sentimentos, me anestesiar, e mais uma vez evitar a dor.

    - Só mais uma vez... – tirei um pedaço de papel dobrado da bolsa e desembrulhei desajeitadamente. O pó branco despencou no ar e foi levado pela brisa de outono. – Preciso ser forte... – minhas mãos tremulavam, as lágrimas se amontoavam, mas permaneci irredutível. Nada de choro. – Eu não preciso disso... – amassei o papel e me encolhi próximo ao pneu de algum carro.

    Decidi nesse instante ir ao único lugar ao qual me sentiria tranquila. Arrastei-me até a porta do carro barulhento enojada de minha atitude vingativa. Rebaixara-me totalmente. Sem o mínimo pudor, cuspi todo o líquido que insistentemente aparecia em minha boca.

    “Mas você nunca vai saber se não tentar”

    Desde que ouvira essa frase, não tive mais um segundo de paz.

    - Pra quem eu estou mentindo? – ri debochadamente ao tentar esconder a verdade.

    Nunca tive paz. E agora está cada vez pior...

    - Eu não... – apertei as mãos contra meus seios, esmagando-os, com o único intuito de desfazer-me desta aflição, dessas lembranças dolorosas.

    Entrei no carro e enfiei a chave na ignição. Meio desorientada, manobrei o veículo até a saída lateral, resvalando o farol direito na pilastra de mármore.

    - Droga. – esmurrei o volante e por acidente tocando a buzina. – Que noite horrível.

    Estacionei sob a calçada e recostei no banco do carro para descansar.

    - Talvez se eu fizer umas compras tudo melhore. – as luzes das lojas, boutiques, restaurantes e galerias da Boulevard Saint-Laurent*2 piscavam como pequenos vagalumes, entrelaçando-se em minhas alucinações, deixando-me abobalhada. Os olhos se fecharam e acabei adormecendo.

    ***

    - Humph... – tentei movimentar as mãos, mas se encontravam atadas a uma corda de textura áspera.

    Encontrava-me presa a uma cadeira em um quarto antigo e sombrio. A luz de uma única vela clareava o lugar maltrapilho.

    A parede de pedras porosas e úmidas exalava odores fétidos e pútridos. Somente uma estátua apavorante contorcia-se em lamúria a minha frente.

    - Notre? – percebi que a janela estava vedada por placas de metal, embora fossem visíveis as torres da Basílica de Notre-Dame*3.

    Manchas enegrecidas se espalhavam pelo chão, formando imagens curiosas.

    A cabeça explodia de dor. Abatida, não conseguia balbuciar mais que meros gemidos. Fechei os olhos e novamente cai em um sono profundo.

    “- Senhorita Gashaerl? – Rudolph surgiu quase que imediatamente ao toque da campainha.

    - Como sempre muito eficiente. – Elise sorriu para nós, orgulhosa de ter criados tão competentes servindo a ela. Adorava que a invejassem e que desejassem o que lhe pertencia. Até mesmo seus empregados. – Nos traga um bom vinho da adega. Vamos comemorar o fim da solterice da minha amiga aqui.

    - Pois não, senhorita. – ele fez uma pequena reverência e se retirou.

    - E então? – Ammelie me puxou, oferecendo um cigarro. Neguei veementemente desvencilhando-me dela e aproximando da sacada. O cheiro me era desagradável, ao menos a isso ainda não me rendera, pensei.

    Olhei pela janela, as folhas que até poucos dias eram verdejantes, enferrujaram-se em tons amarelados e perderam a vivacidade ficando ressecadas. Dançavam ao sabor do vento, leves e descontraídas.

    - Como foi com o Liam? – Ammelie não iria parar enquanto não obtivesse o que queria.

    - Hum? – naquele momento estava absorta em meus devaneios que não se encaixavam com a realidade em que me encontrava, livrando-me temporariamente das invasões de Ammelie.

    O vento. Sempre encantador.

    Eu tinha alegria e ódio em observar o vento. Dona de sua própria sorte, sempre no controle, independente, influente e dominador, algo ao qual eu gostaria de ser. – Vocês sabem, né... – voltei a mim, afinal, não era momento para isso.

    - Do jeito que você é nem deixou rolar algo mais. – Elise como sempre foi mais uma vez indelicada. Interessava-lhe somente satisfazer seus desejos com os prazeres que lhe agradavam. Eu jamais me acostumaria com seu jeito tortuoso de ver a vida, éramos duas almas distintas e distantes. E mesmo nós, incompatíveis em todos os sentidos, permanecíamos ligadas. Eu não conseguia me desgarrar dela. – Eu não ia desperdiçar.

    - Elise, eu não... – neste exato momento Rudolph voltou com uma bela e brilhante bandeja de prata servida de uma garrafa de vinho e taças delicadas. Fiquei internamente agradecida por ter uma brecha. – Vou tomar um ar.

    Antes de sair do quarto ouvi mais um comentário maldoso. Assim como tantos que ouço desde aquele dia.

    - Dá pra ver que ela não superou essa fase ainda. – Romina, de todas elas, era a pior. Foi quem levou a todas nós para caminhos ao qual eu jamais pensei chegar algum dia.

    Caminhei um pouco sem fôlego até as escadas, sentando-me no primeiro degrau.

    - Algo de errado senhorita Stryker? – Rudolph devia estar voltando para a área de serviço e não se conteve a me ver com o olhar vazio.

    - É só uma hora ruim. – suspirei descrente.

    - Se me permiti dizer... – Rudolph acanhou-se, mas consenti que prosseguisse. – Vejo que a senhorita Stryker tem tido muitas horas ruins.

    - Não poderia negar. – disse amargamente.

    - Eu não deveria, mas nós, serviçais, conhecemos como ninguém tudo o que se passa dentro do lar de nossos senhores e dessa forma, das pessoas que a frequentam. Como a todos os outros eu a observo desde que pôs os pés a primeira vez nessa casa, uma pequenina e bela mocinha e vou dizer algo, que pode lhe sair como uma grosseria ou um elogio. – Rudolph tocou os dedos levemente sobre o corrimão. – A senhorita se difere por demais de tudo isso.

    - Talvez esse seja o meu problema. – ele tinha razão e nem tentei negar.

    - Eu vejo isso como algo positivo. – ele sorriu e começou a descer as escadas. – Ter mais a oferecer, é uma benção.

    - Mas o que eu posso oferecer de bom? – por insensatez, lancei uma questão presa em meus pensamentos.

    - Quem sabe dizer. – ele parou e voltou seu olhar caridoso a mim. – Nós escolhemos se queremos ser abençoados com nossos dons, ou se queremos nos amaldiçoar com eles.

    - Eu não sei o que quer dizer com isso. – disse francamente.

    - Eu também não... – ele riu pela resposta vaga. – Mas você nunca vai saber se não tentar. – ele se retirou e me encontrei mais uma vez perdida. Mesmo assim, as palavras de Rudolph foram reconfortantes embora com ares de aflição.”

    - Acorda vadia! – com um forte tabefe, fui retirada do estado de total torpor. – Isso! Até que enfim acordou...

    - O que é isso? Minhas mãos. Me solte! – as cordas presas em meus pulsos estavam um pouco frouxas. Se eu não estivesse tão fraca poderia me desvencilhar facilmente. Conclusão. Estava presa e pior, com um homem visivelmente perigoso.

    Comecei a berrar com todas as minhas forças e ele começou a rir descontroladamente.

    - Pode gritar. Isso só me deixa mais excitado. – o homem lambeu meu pescoço e eu por reação, o afastei com uma cabeçada. Ele riu novamente e começou a acariciar meu corpo.

    Suas mãos invadiam-se pelo meu corpo, e eu em vão tentava afastá-lo. O terror tomava forma em cada toque daquele monstro, no entanto eu só pensava em com o escapar, ou até mesmo o que fazer para impedi-lo.

    - Vamos ver até quando você aguenta o meu joguinho? – ele retirou um punhal enferrujado e ameaçou transpassar sua lâmina em meu pescoço. – Você gosta de uns jogos? Hein?! – eu o encarei com fúria e ele se afastou com um sorriso malicioso.

    “Você não pode escapar de mim”.

    - O que? – não consegui conter a interrogativa, diante de uma voz em minha cabeça.

    “Nenhuma conseguiu. E você também não vai conseguir”.

    - Quem é você? – assustada, permaneci imóvel até receber alguma resposta.

    - Eu? – o homem não entendera minha reação, e comecei a suspeitar que quem estivesse tagarelando em minha mente não fosse ele. – Você quer mesmo saber? – a atitude dele mudou de imediato.

    Ele ajoelhou-se a minha frente segurando meu rosto com os dedos firmes. Sua feição doentia atiçava meus temores mais íntimos, mas mesmo assim não desviei o olhar.

    - Você, mais do que ninguém, uma garotinha rica, mimada, acostumada com a ignorância e futilidade deste mundo podre, deveria saber... – ele se afastou o que não diminuiu o pavor que eu sentia agora. – Mas ninguém, ninguém teve a curiosidade de me perguntar. Quem sou eu? – ele disse pausadamente em meio a gritos estridentes.

    “Não me provoque”.

    A voz em minha cabeça se alterou a níveis perigosos.

    - Eu... Sou só mais um que vocês esqueceram jogado na noite. – ele transpassou a lâmina no próprio braço, sem demonstrar nenhum sentimento. O sangue respingava por entre as pedras do chão desaparecendo em seu interior. – E foi na escuridão, que eu conheci a verdade. Aquilo que todos escondem, eu, um tolo descobri.

    Proibi-me de perguntar para não cair vítima da loucura do homem.

    - Poucos presenciaram, e menos ainda sobreviveram ao que eu sobrevivi. – ele se colocou a minha frente. – O inferno na Terra. – ele repousou a lâmina em meu cenho, vertendo um filete de sangue de seu braço ensanguentado próximo ao meu rosto, respingando em meu vestido. – A quem diga que esse mundo tem conserto. Pra quem chegou a ver o pior como eu já vi, eu respondo com toda a certeza, que não há nenhuma chance.

    “Seu discurso obsessivo sempre me diverte”.

    Vasculhei pela sala algum sinal de outro individuo ali. Incomodava-me essas vozes em minha cabeça, agora mais do que qualquer outra que me atormentasse.

    - Não direi que mereço alguma salvação, mas também não vejo quem mereça. Por isso eu, agora, estou tomando de volta o que tiraram de mim. – ele avançou com a lâmina em meus olhos, no entanto não passou de uma ameaça. – E agora, você, minha presa deseja saber a identidade de seu algoz... Eu sou... O que eu sou?

    “A diversão está prestes a terminar. Que pena!”

    - Cui... – antes que pudesse falar qualquer coisa, uma esfera vermelha percorreu o crânio do homem e em um instante o sangue passou a esvair-se pela lateral de seu ombro esquerdo. Seu corpo desabou nas pedras frias e ali permaneceu.

    - POLÍCIA! – a porta fora arrombada, revelando um pequeno batalhão de salvamento.

    Em meio à confusão, meus olhos conseguiram somente se concentrar no homem consumido pela loucura, divagando os seus atos desesperados.

    ***

    Eu permanecia dentro da viatura policial, transcorridos alguns minutos do recente fato, meio distante e relapsa.

    Minha mente não conseguia assimilar os últimos acontecimentos e me trazer a tona nenhum sentimento e o pior é que eu necessitava disso urgentemente.

    Vira um homem morrer a minha frente, e não consegui sentir sequer uma centelha de emoção.

    Temia não conseguir voltar ao simples estado natural de ser humano, impotente frente as suas próprias emoções, embora desconfortável, nos dá a certeza de nossas fragilidades. Permanecia em um estado estuporado, sem vida ou traços de humanidade. Um mero vazio, nada.

    Como medida desesperada para me recompor desta situação anômala, aproveitei-me de um breve momento de distração dos policiais nas proximidades para escapulir do local por uma viela estreita.

    - Onde eu estou com a cabeça? – recuei alguns passos, impressionada com minha atitude, mas logo continuei a andar. Tudo não passou de um flash momentâneo de lucidez que logo desapareceu.

    Caminhei naturalmente ao chegar a Place D’Armes*4, rumo às torres da Basílica de Notre-Dame tomando o cuidado de esconder as manchas avermelhadas em meu vestido. Pela primeira vez, de todas as que eu passei por aqui, observei com atenção o monumento dedicado a Maisonneuve*5, o fundador da cidade.

    Era uma figura altiva e digna de respeito. A posição em que fora deixado me dava à impressão de ser um guardador da Basílica, protegendo-a.

    Segui pelas escadas, receosa se deveria ou não adentrar a um local de cunho sagrado violada pelo sangue de um ser perdido em pecado. Calculei os prós e os contras, tomei coragem e entrei.

    - É magnífico! – meus olhos foram inundados pelo brilho azul e dourado da enorme cúpula a cobrir toda a Basílica, e logo pensei. Aquela visão recompensava qualquer preço ao qual pudesse pagar por minha imprudência ou até mesmo desrespeito. Desconhecia os costumes, crenças ou religiões, afinal, eu fui criada distante de qualquer referência religiosa.

    - O que traz tão bela jovem antes mesmo do alvorecer? – uma voz afetuosa percorreu meus ouvidos enquanto um senhor de vestes negras se aproximava pelo portal lateral.

    - Ainda não sei. – sorri para o senhor e ele retribuiu a gentileza. – Talvez um pouco de... Como é mesmo...

    - Fé? – ele se interpôs ao perceber minha indecisão.

    Observei a figura acolhedora do senhor e assenti.

    - Fé! – meu ser se libertou ao dizer tal palavra. – Até onde se pode chegar com isso? – temi a força que surgiu em meu coração, e pedi que se aquietasse.

    - Ao infinito. – ele segurou minhas mãos e eu percebia. Nada seria ou teria o mesmo sentido novamente.


    Glossário

    MITOLOGUE [16 +] 250px-Mont

    Montreal*1 – Montreal é a maior cidade da província canadense de Quebec, a segunda mais populosa do Canadá, e também a segunda mais populosa cidade francófona do mundo. É também uma região administrativa do Quebec. Situa-se na ilha homônima do Rio São Lourenço, sendo um dos principais centros industriais, comerciais e culturais da América do Norte.

    MITOLOGUE [16 +] 5f5e7c88-98e8-43a6-91d5-0fc220c2de0d_h

    Boulevard Saint-Laurent*2 – O boulevard Saint-Laurent, também conhecido pelo por "la Main" (rua principal), é uma importante rua comercial no sentido norte-sul, na cidade de Montreal, província de Quebec, Canadá. Serviu de acolhimento a numerosos imigrantes que aí se instalaram e fundaram muitos comércios e restaurantes. Recebeu este nome em homenagem a Lourenço de Roma.

    MITOLOGUE [16 +] Notre-Dame-Basilica-Montreal-Canada-1-EV3VT5PTSZ-1024x768

    MITOLOGUE [16 +] Basilique-notre-dame

    Basílica de Notre-Dame*3 - A basílica Notre-Dame de Montreal, no distrito de Ville-Marie, em Montreal é a igreja matriz de Montreal, possuindo em seu interior verdadeiras galerias de arte religiosa sem igual na cidade.

    MITOLOGUE [16 +] Place-D-Armes

    Place D’Armes*4 – Place d'Armes é uma praça da área antiga de Montreal, em Quebec, no Canadá. No centro, há um monumento em memória de Paul de Chomedey, fundador de Montreal. Edifícios que a cercam são: Basílica de Notre-Dame, Seminário Saint-Sulpice, Nova Iorque Life Building, Edifício Aldred, Sede do banco de Montreal e 500 Place d'Armes.

    MITOLOGUE [16 +] Sieur_1

    Maisonneuve*5 – Maisonneuve nasceu na aristocracia em Neuville-sur-Vannes, em Champagne, França. Ele juntou-se ao serviço militar com 13 anos de idade e teve uma carreira de sucesso, onde ele foi conhecido por sua habilidade e sua honestidade. Ele foi contratado por Jérome Le Royer de la Dauversiere, um jesuíta que foi chefe da Notre-Dame Société de Montreal. Com base em uma visão experimentada por Royer de la Dauversiere, a sociedade estava tentando construir uma missão na Ilha de Montreal, em Nova França. Maisonneuve foi contratado para levar os colonos e garantir a sua segurança. O Monumento Maisonneuve foi erguido em 1895 na Place d'Armes, à memória de M. de Maisonneuve por um trabalho de Louis-Philippe Hébert (1850-1917). Um modelo imaginário foi utilizado para representar Paul de Chomedey, sieur de Maisonneuve, já que não há nenhum retrato autêntico do primeiro governador de Montreal existente.


    Em um futuro próximo:

    Epístola 004 - Ilha de gelo

    “A atividade vulcânica neste lugar está... Meu Deus! Estamos condenados”
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    MITOLOGUE [16 +] Empty Re: MITOLOGUE [16 +]

    Mensagem por Mr. Mudkip 09.09.12 13:17

    Olá a todos, mais um cap. de Mitologue, espero que curtam.



    Epístola 004 – Ilha de gelo

    Islândia – Akureyri*1, Província de Norδurland eystra – 2016


    - Passa a bola! – Odhur não ia conseguir furar o bloqueio, mesmo assim ele foi em frente.

    Como eu já tinha previsto, ele foi impedido de atacar, ficando no chão.

    - Os Skoll*2 vão para o contra-ataque. – o locutor disse animado, alvoroçando a torcida adversária. – Os Hati*3 precisam se esforçar se querem se classificar para as nacionais.

    A quadra estava lotada de torcedores dos Skoll. Eles tiveram o melhor desempenho na temporada e já estavam classificados. Hoje seria a consagração da equipe, derrotar os Hati e ir invicto para as nacionais. Os Hati e os Skoll são colégios-rivais, a vitória sempre tinha um sabor diferenciado nessas partidas.

    - Vamos jogar sério, porra! – disse com a cabeça quente. Ajudei-o a se levantar, para tentarmos reverter o quadro o mais depressa possível.

    - Foi mal. – ele espalmou as mãos, tentando transmitir confiança pra mim. – A gente consegue!

    O jogo estava empatado, resultado nada bom pro nosso time. Foi um jogo tenso e difícil desde o início, exigindo muito da equipe. Se continuasse assim, não iríamos nos classificar pras nacionais de handebol.

    Odhur era a estrela do time, o capitão e nosso melhor jogador, mas infelizmente, hoje ele não rendeu boas jogadas. Estava sem inspiração e também à marcação cerrada sobre ele dificultava suas jogadas. Nós sabíamos que hoje, tudo dependeria dele, só que outra pessoa tinha de fazer alguma coisa, não podia acabar assim. Odhur não ia ser decisivo no jogo, como sempre foi.

    Antigamente eu nem me importaria. Eu só havia entrado pro time para ser mais popular, mas com o tempo fui me envolvendo com o esporte e agora procuro me esforçar e ajudar meus companheiros. Apesar de saber que não tenho talento suficiente para me tornar profissional, eu gosto de jogar e quero muito vencer, mostrar que sou bom em alguma coisa. E acabar com a raça dos Skoll ia ser demais.

    Pra que a temporada não acabasse prematuramente como tem ocorrido na nossa escola nos últimos anos, nós tínhamos que impor o nosso ritmo de jogo para vencê-los. Faltava menos de um minuto pra acabar a partida e os meus companheiros de equipe estavam desmotivados, aceitando a derrota. Não ia ser condescendente com isso. Não ia ficar mais um ano sendo escorraçado pelos corredores da escola. Não aguentava mais ser chamado de fracassado, perdedor. Esse ano os Hati iam pras nacionais do torneio.

    Recuei minha posição e interceptei a bola.

    - Vai, Feizer! – Lidi berrou da arquibancada ao perceber meu ímpeto motivando as líderes de torcida a animar a platéia, o que fez a galera levantar pra ver a nossa última jogada. – Hati, Hati, Hati! – aos poucos um coro modesto passou a acompanhar a torcida de Lidi.

    Meu corpo pulsava em pura adrenalina. Corri o mais rápido que pude, desviando do marcador, chegando livre ao gol.

    Entre a vitória e eu, somente o goleiro. Sem medo, saltei na linha, lançando a bola com toda a força que eu tinha no braço no mesmo instante em que o alarme toca.

    A rede balança, a galera grita. Gol.

    - Impressionante vitória dos Hati! – o locutor anuncia. – Sensacional! No último segundo, Feizer vira a mesa para os Hati, mas que jogo emocionante. Após vinte e três longos anos, os Hati se classificam pras Nacionais. Skoll e Hati nas nacionais. Será um campeonato eletrizante!

    - Nós ganhamos, vamos pras nacionais! – Odhur veio me abraçar, em seguida, uma multidão me puxa, colocando-me no alto.

    - Feizer, Feizer! – ouvir o pessoal todo gritar meu nome era o máximo. Finalmente eu fazia parte de algo importante. Eu fora decisivo para derrotar os Skoll.

    - Muito bom rapaz. – o treinador veio me felicitar pela vitória. – Bela jogada, bela jogada!

    As pessoas me abraçavam, cumprimentavam e elogiavam, mas quem eu queria que viesse fazer isso, era Lidi. Ela sim, umas das garotas mais gatas de todo o colégio, e o melhor uma torcedora fanática dos Hati.

    - Oi. – ela se aproximou quando o grupo se dispersou um pouco.

    - E ai? – disse feliz da vida.

    - Vamos comemorar a vitória amanhã na chácara do Odhur. – Lidi falou descompromissadamente. – Tá afim? – Não esperava que ela fosse me convidar. Eu nunca era chamado para nada. Odhur era um bom amigo dentro de quadra, mas fora dela éramos como dois estranhos. Não o culpava, afinal, nós pertencíamos a escala sociais diferentes.

    Sempre fora o esquisito, culpa de minha aparência pouco convencional. Por ter um tipo de acromatose mais aparente e singular, era foco em todos os lugares. Minha pele branca como o gesso, não conseguia suportar mínimas exposições a raios solares, estranhamente, e contrariando as características, meus cabelos eram grisalhos, resplandecentes sob a lua cheia, assim como meus olhos. Cintilavam um brilho prateado envolto a pupila de um preto desbotado.

    - Amanhã? – desanimei ao saber a data.

    - É. – alguém a empurrou, deixando-nos mais próximos. – Algum problema?

    - Eu tenho uns lances importantes pra fazer amanhã. – o tal lance era fazer um programa família com a minha mãe. Não que eu estivesse reclamando. Ela trabalhava muito e não tinha tempo de ficar comigo, por isso, toda folga dela, ela passava ao meu lado. Não podia desmarcar, afinal, eram raros os nossos momentos. – Deixa pra próxima.

    - Pode ser. – ela deu de ombros. – Qualquer coisa me liga, valeu. – ela me deu um abraço e saiu.

    - Ok. – disse explodindo de felicidade.

    Fiquei um pouco arrependido, mas tudo bem. Essa vitória fez meu grau de popularidade ir pro teto. Eu seria disputado nas mesas do refeitório, para as festas, e o melhor, as garotas! Por algum tempo eu estarei no topo da cadeia social, finalmente seria notado.

    Como isso tudo pode esperar e minha mãe não, a escolha fora óbvia. Afinal, fazia duas semanas que minha mãe estava na base de pesquisa, e eu tinha de admitir, a saudade era forte. Eu era bastante apegado a ela e já estava na hora de passarmos um tempo juntos.

    Nucili sempre foi uma mulher de personalidade forte, decidida. Ela me criou sozinha, já que meu pai morreu em um acidente quando ela ainda estava grávida, aturando tudo o que eu fazia e ainda faço de errado.

    Teve de fazer escolhas difíceis como largar a faculdade e viver sob as regras de minha avó por três anos, até se ajeitar. Nesse período conseguiu se formar em geologia e hoje é doutora em minerologia, pelo o que sei muito respeitada na área. No momento, trabalha para o governo em um projeto de sustentabilidade, o que tem tirado todo o tempo dela.

    Gostaria que ela estivesse aqui hoje, torcendo por mim, assim como a Lidi, mas tudo bem. De alguma forma eu sabia, ela estava presente.

    - Agora, vestiários. – o técnico tentou desfazer o tumulto. – Vamos!

    - Nem tudo pode ser perfeito. – sussurrei para o vento, enquanto descia as escadas.

    ***

    Eu ainda não acreditava. Aquilo tudo era mais perfeito que o melhor sonho, simplesmente por ter sido real. Eu fiz o gol da vitória em cima dos Skoll no último segundo e salvei os Hati de amargar mais um ano nas últimas colocações.

    - Meu filho é um campeão! – minha mãe apareceu na sala com uma vasilha de pipoca e um sorriso de orelha a orelha. – Queria tanto estar lá com você.

    - A senhora tinha que ter visto. – estava deitado no sofá, esperando para a nossa sessão de filmes. – Passei por todo mundo, ficando cara a cara com o goleiro. Joguei a bola sem chance de defesa e a galera foi ao delírio.

    - No próximo jogo, não importa o que aconteça, eu vou estar lá viu. – ela sentou-se afagando meus cabelos brancos.

    - Valeu mãe. – catei um pouco de pipoca da vasilha, enquanto passava os trailers.

    “No próximo verão estreia Madame Norrah. Você nunca viu nada igual.”

    Geralmente saíamos para algum lugar, mas o clima hoje não estava ajudando. Há dias que uma nevasca permanecia estagnada na cidade, esfriando a temperatura e o nosso ânimo para enfrentar o frio. O inverno era sempre essa maravilha! Saco.

    Já que ficaríamos em casa, decidimos passar o tempo, assistindo nossos filmes preferidos. Adorávamos filmes com temas fatalistas, repletos de tragédias. Hoje era “A fúria do vulcão”, um filme trash que sempre arrancava boas gargalhadas.

    “Finn, conseguiu captar alguma anormalidade? Finn? Fale homem!”

    “A atividade vulcânica neste lugar está... Meu Deus! Estamos condenados”

    - Hahaha! – o ator tinha feito uma careta muito engraçada, não consegui resistir e comecei a dar risada.

    - Para. – minha mãe queria realmente ver o filme.

    - Vai me dizer que não foi engraçada essa cara que ele fez? – ela pediu por silêncio, então peguei mais pipoca na vasilha para não contrariá-la.

    O celular dela tocou o que nunca era um bom sinal.

    - Só um minuto. – pausei o filme enquanto ela foi até a cozinha para falar ao telefone. – Mas não tem ninguém que pode resolver isso? – percebi que acabara a sessão cinema.

    Após um tempo ela veio até mim com a fisionomia angustiada.

    - Desculpe Feizer, é que surgiu um imprevisto e eu... – ela começou o discurso de sempre.

    - Sem problema. – eu ficava chateado, mas como não tinha jeito mesmo, preferi então não importuná-la com minhas reclamações.

    - Eu volto semana que vem, está bem. Qualquer coisa me liga meu bem. Tente não fazer muita bagunça e seja mais gentil com a Lena. – ela me deu um beijo de despedida, pegando a blusa em cima do sofá e indo para a garagem.

    - Certo. – afundei no sofá, deprimido por ficar sozinho mais uma semana. – Quer saber! – com o espírito de rebeldia, decidi ir para a festa na casa do Odhur.

    Procurei meu celular para ligar pra ele. Vasculhei pela casa, até encontrá-lo na escrivaninha do hall de entrada. Procurei na agenda e fiquei esperando ele atender.

    - Odhur? – a música alta dificultava para ouvi-lo.

    - E ai campeão? – ele gritou para que eu conseguisse escutá-lo.

    - A festa já tá rolando? – procurei saber se compensava ir.

    - Só tá faltando você. – ele respondeu.

    - Avisa o pessoal que eu estou chegando. – disse decidido.

    - Beleza cara. – ele respondeu. – Estamos te esperando.

    - Chego aí daqui a pouco. – desliguei o telefone e comecei a me arrumar.

    Minha mãe usava o carro da empresa com frequência, deixando o outro, um belíssimo utilitário esportivo parado na garagem, um desperdício. Era hora de levá-lo para um passeio em grande estilo. Ia rolar a festa!


    ***

    Eu tinha apenas 15 anos, se fosse pego dirigindo ia ser um problema dos grandes. Se a polícia aparecer talvez nem percebam que sou menor de idade. Por eu ter albinismo, tenho os cabelos brancos, e como estou na equipe de handebol, tenho o corpo mais desenvolvido que me dão a aparência de ser mais velho. Alguma vantagem eu poderia receber por isso, afinal.

    Melhor nem pensar nisso. Vou deixar as coisas rolarem naturalmente, sem pressão.

    Eu nunca havia dirigido na rodovia, mas pelo menos tinha alguma experiência, se é que manobrar o carro na garagem pode ser chamado disso. Minha mãe não gostava, e por isso me ensinou só para facilitar o trabalho dela. Ela sempre me falou que eu era um bom motorista e por isso eu acho que consigo chegar em segurança na chácara do Odhur. Era perto, a estrada estava bem conservada. Era só tomar cuidado que nada aconteceria.

    - Vamos nessa. – girei a chave na ignição, preparando-me para sair. Coloquei o sinto e engatei a marcha.

    Olhei pelo retrovisor a neve cair fina e devagar, o que garantiria uma viagem segura. No entanto pela minha experiência, eu sabia que tudo poderia mudar em questão de segundos. O clima aqui em Akureyri é traiçoeiro e extremamente mutável. A Islândia tem tudo para tornar a vida complicada: vulcões em intensa atividade, dias com no máximo três ou quatro horas de sol, isso quando fazia sol, clima instável, frio intenso, para ser franco, não trazia as melhores condições de habitação. Não sei o que os meus antepassados viram nesse pedaço de gelo, quando vieram pra cá.

    Eu sei que vou me contradizer agora, mas para ser justo, morar aqui é realmente muito bom. O governo fez um ótimo trabalho, melhorando a qualidade de vida da população e tudo mais. As condições de vida hoje são as melhores possíveis, o que posso confirmar pela Islândia ser considerado um dos melhores países para se viver*4. Um orgulho para qualquer islandês.

    Olhei as casas dos vizinhos cobertas de neve, e me lembrei de como fazia para ganhar um dinheiro extra. Antigamente, eles me pagavam um bom dinheiro para retirar a neve do quintal, que em poucas horas voltava e eles acabavam me chamando de novo. Comprei várias traquitanas com esse dinheiro. Hoje eu vejo que poderia ter juntado toda essa grana para comprar algo melhor, mas nem vou me ater a isso.

    Agora tinha de tomar cuidado para que eles não me vissem o que complicaria e muito a minha vida. Acelerei um pouco, pegando o cruzamento para sair na rua principal. Tive um pouco de dificuldade em controlar a embreagem, deixando o carro morrer algumas vezes, mas consegui sair da cidade sem maiores complicações. Nesse tempo, as pessoas pensavam duas vezes ao sair de casa, quem tinha de ir trabalhar, nem se ligava no que acontecia do lado de fora. As ruas estavam desertas, o que fez com que eu não passasse por um vexame dirigindo erroneamente por ai.

    A paisagem coberta de branco confundia um pouco a visão da estrada. Preferi seguir a viagem em baixa velocidade, atento a estrada. Não queria rodar na pista e causar um acidente. Já era o bastante sair com o carro sem permissão. Se minha mãe descobrisse eu estaria ferrado.

    ***

    Uma nevasca mais forte começou, deixando-me nervoso com a situação. Não conseguia ver quase nada e por isso passei a ir ainda mais devagar. Um baque fez minhas mãos escaparem do volante.

    - Grrrrrr! – perdi o controle do carro, derrapando na pista escorregadia, capotando o carro até despencar no barranco.

    O airbag foi acionado esmagando meu rosto em uma almofada confortável, amortecendo o impacto. Era impossível ver qualquer coisa com aquilo na minha frente. Balançando violentamente de um lado ao outro, percebi que poderia ter me machucado gravemente se estivesse sem o cinto de segurança.

    O carro enfim parou tranquilizando-me. Fiquei um pouco desorientado com os giros rápidos do carro, o que me deu muitas náuseas. Embora estivesse ao contrário fazendo a sangue circular diretamente para a cabeça, aumentando a sensação ruim em meu estômago, eu ficara feliz que nada de grave me acontecera. Depois de me preocupar com os danos físicos, era hora de calcular os danos materiais.

    Afastei a bolha branca do meu rosto para poder ver o estrago causado. Não dava pra contabilizar os prejuízos, mas percebi que o carro fora bastante avariado. Minha mãe ficaria uma fera.

    - Ai! – Ao tirar o cinto, cai no teto do carro.

    A neve aumentava, acertando o carro com força. O cheiro de gasolina me preocupava, tinha de sair dali, mas se ficasse lá fora, morreria congelado. Estava em um impasse.

    - Auuuuu... – uivos despontaram nas proximidades.

    Era o que me faltava. Lobos do ártico*5. Estava ficando desesperado com a situação. Tinha de achar um jeito de sair dali.

    - O celular é claro! – Como não pensara nisso antes.

    Ele não estava no compartimento da porta do carro. Provavelmente deve ter caído em algum lugar com a batida.

    - Onde está? – fucei por todo lado, até reconhecer alguns destroços parecidos com o meu celular. Destruído. – Não. – ia permanecer calmo. Só assim conseguiria sair dessa enrascada.

    Uma mão azul de pelos esbranquiçados revestidos com gelo, repleta de manchas e crostas horrendas quebrou o vidro do carro, agarrando-se ao capuz da minha blusa.

    - O que é isso?! – gritei apavorado. – Socorro!

    Tentando me soltar, fiquei me debatendo dentro do carro, até que consegui me desvencilhar. Aquilo não iria me pegar. Com rapidez, retirei debaixo do banco do passageiro, o extintor de incêndio para me proteger. Pés enormes rondaram o carro, e eu atento aos seus movimentos, preparado para ele.

    - Croooooo... – seja o que fosse, estava grunhindo ferozmente.

    Ele arrancou a porta do carro, retirando-me de ponta cabeça.

    Olhei para o alto, e vi um monstro azul fétido*6 com pelos brancos grandes e grossos, de dentes graúdos e pontiagudos e um bafo horrível que conseguia se notar de longe. Usava pelo de vários animais como roupa para se proteger do frio. O medo me consumia, não sabia o que poderia fazer. Por reflexo, golpeei as partes íntimas daquilo com o extintor. Ele me jogou na neve, enquanto rosnava.

    Ele desferiu um chute em minha barriga, que fez os ossos da minha costela se partirem. Com o ataque ele conseguiu me lançar contra o carro. Sua força era tremenda, fora do comum. A lataria ficou ainda mais amassada, assim o carro teria perda total. Eu correndo perigo e no que eu estou pensando? Em um carro. Fantástico. Pura estupidez.

    Enquanto eu me contorcia de dor, o grandalhão azul já estava se recompondo.

    - Grrr... – lobos brancos como a neve atacaram a fera, afastando-o de mim.

    Uma batalha inimaginável estava se iniciando. Lobos do ártico brigavam ferozmente contra um ser bizarro para me proteger. Não conseguia ver as coisas com clareza, pois estava distante, escuro e nevando muito.

    - Giaaaarrr! – o bicho agarrou um dos lobos pelo pescoço, esmurrando sua cabeça até deformá-la. Um líquido viscoso e vermelho respingou bem próximo a mim. Agora desejava não ver mais nada.

    Aquela coisa estraçalhou o lobo como se fosse um pedaço de papel. Eu estava enojado com o cheiro de sangue, que transformou a neve branca em vermelho escarlate. Eu queria correr, sair dali, mas no estado em que eu estava não iria longe. Minha última esperança eram aqueles lobos corajosos, embora eu também estivesse preocupado de virar comida para eles.

    Mesmo em desvantagem, os lobos continuaram a atacar. Eu ali, ao lado do carro, sem poder fazer nada, observando animais comuns enfrentando um monstro grotesco, uma anomalia da natureza que não deveria sequer existir, fez nascer um sentimento dentro de mim. A raiva transpassou meu peito, invadindo todo o meu ser.

    - Vocês conseguem! – a voz saiu fraca e arquejante.

    Os lobos começaram a uivar, como se tivessem me entendido. Lutando com mais garra eles prensaram suas presas na pele dura do monstro, arrancando um líquido esverdeado.

    - Irrrrrr. – o monstro berrou, lançando os lobos para longe.

    Ele caiu na neve com o sangue saindo de suas costas. Os lobos aproveitaram a abertura e o atacaram sem piedade. Após alguns segundos ele para de se mexer, e eu presumo que ele tenha morrido. Os lobos o arrastam com dificuldade, partindo com o estranho ser.

    Eu continuei ali deitado, sem acreditar no que havia acontecido.

    A nevasca a cobrir os rastros da batalha feroz em meio a uivos e sangue, e a mim, que iria morrer congelado naquela maldita ilha de gelo.

    - Por favor, alguém. – disse antes de perder os sentidos.





    Glossário


    MITOLOGUE [16 +] Images?q=tbn:ANd9GcQIiUyN9JP2HwUgejiow5TnPvQhod_uWAnEi3AWymoWfvGLC1OALd8rBLgx

    *1 Akureyri – cidade da Islândia com aproximadamente 17.000 habitantes. Localiza-se ao norte, na província de Norδurland eystra, sendo a quarta maior cidade do país. Sua posição setentrional afeta a incidência dos raios solares sobre seu território. Durante o verão, o sol se mantém no céu por cerca de 21 horas, enquanto que no inverno, há apenas 3 horas diárias de presença solar. A média de temperatura nos meses de inverno fica em torno de - 1,5º C e nos meses de verão em torno de 11 ºC.


    MITOLOGUE [16 +] Skoll___Hati_tatoo_commission_by_Forwardess

    *2 Skoll – um lobo que persegue os cavalos Arvákr e Alsvid, os quais puxam a viga que contém a deusa Sol, tentando comê-la. Ao conseguir seu objetivo o Ragnarok dá-se início.

    MITOLOGUE [16 +] Ragnarok_Wolves___Hati___Skoll_by_WildSpiritWolf

    *3 Hati – um lobo que persegue a lua pelo céu noturno até à hora do Ragnarok, quando ao lado de Skoll engolirão os corpos celestes. Com isso libertará Fenrir de suas amarras para cumprir a profecia de morte a Odin. Os eclipses lunares acontecem quando Hati está perto de cumprir seu objetivo.

    MITOLOGUE [16 +] MapaIslandia

    *4 Melhor país do mundo para se viver – Em 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) colocaram a Islândia como sendo o país que apresenta as melhores condições de vida, avaliando-se dados sobre expectativa de vida, educação e renda per capita, rendendo o melhor índice de desenvolvimento do mundo.

    MITOLOGUE [16 +] Snow-White-Arctic-wolf-4

    *5 Lobos do ártico – também chamado de lobo polar ou lobo branco. Podem ter uma pelagem branca, mas são marrons ou cinzentos, dependendo da época do ano e a idade do lobo. Quanto mais velho, mais claro será o pelo. Eles caçam em matilha, sendo que suas presas constituem-se principalmente em alces, lebres e bois-almiscarados. Habita as ilhas do ártico no Canadá e a costa leste da Groelândia. Vive em média 7-10 anos, tendo de dois a três filhotes por gestação, acompanhando seu crescimento até os dois anos de idade.


    MITOLOGUE [16 +] Laufey

    *6 Gigantes do gelo ou Jotun – inimigos dos deuses nórdicos desde a criação, quando os deuses rasgaram o corpo do vil gigante Ymir para criar o mundo. Estão destinados a se encontrarem no fim do mundo, na grande batalha de Ragnarok. Diz-se que o martelo de Thor pode matar qualquer Jotun, rachando-lhe o crânio.


    Em um futuro próximo:

    Epístola 005 - Equinócio

    "Lamento que tenhas de pagar pelos erros de outrem. Um dia você será recompensada com bons frutos, tenha certeza disso."
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    MITOLOGUE [16 +] Empty Re: MITOLOGUE [16 +]

    Mensagem por Mr. Mudkip 26.09.12 21:08

    Espero que gostem, em breve postarei os caps de Serie Experimental, estou tendo dificuldades em umas partes, mas assim que der eu postarei. Até

    Epístola 005 – Equinócio


    República Popular da China*1 – Nányuè, Província de Hunan*2 – 2016

    - ... – meus dedos insistiam em desprender os pequenos pedregulhos, deixando-os rolarem pelo rochedo. – Tac! – quebrar o silêncio. Isso aliviava e retirava uma sensação intragável ocultada toscamente de minha percepção.

    Essa pequena ação atiçava os sentidos dos solitários moradores dessas muralhas rochosas, fazendo-os entoar esplêndidos hinos pelo horizonte. Era isso que eu fazia nos meus raros momentos de descanso. Eu simplesmente me afastava de tudo e aproveitava uma das poucas distrações que me permitiam ter.

    O gorjear das águias*3. Raramente as via, ainda que ao longe, como minúsculas flechas negras, restando então somente os seus belos cânticos. Ao entardecer, elas preparavam-se para pernoitar após um longo dia de caçada, o único momento em que voltavam para seus ninhos, e também o único em que eu conseguia ouvi-los em sua plenitude.

    Podia ser um tanto bobo, mas isso é algo que me encantou desde a infância. Todos os dias eu ia até o observatório, o ponto mais alto do santuário somente para contemplar a sinfonia que elas criavam ante ao crepúsculo. A melodia da senhora do trovão e das tempestades acalmava meu coração e me davam esperança de um futuro melhor.

    - YING! – meu nome ecoou fortemente tamanho a gritaria. As vésperas do festival de primavera*4 ninguém tinha sossego.

    - O que deseja senhor Giki? – tentei ser educada, esperando que retribuísse da mesma maneira, sabendo que de nada adiantaria.

    - Ying, volte já ao trabalho! – Giki, o responsável pelos empregados sempre pegava no meu pé, cobrando mais de mim do que aos outros. Estava farta.

    - Eu já completei as tarefas. – respondi meio acidamente.

    - Ainda há muito a se fazer. – ele esbugalhou os olhos em resposta ao meu atrevimento. – Ande, ande!

    - Sim, senhor. – agradeci as majestosas e elegantes mestres do ar pelo belo presente e acompanhei Giki rapidamente até o pátio central.

    - Tragam os lustres. – Liu gritou sob a escada em meio a duas pilastras de mármore.

    Todos no santuário se esforçavam para tornar o festival um belo espetáculo. Em todo lugar, havia alguém trabalhando, nem mesmo as crianças escapavam de ajudar, carregando ou buscando algo aqui e ali. Embora a época fosse de confraternização, eu sequer era notada.

    Andando em meio ao aglomerado de gente, eu não conseguia deixar de me sentir solitária. Já me acostumara a ser ignorada, embora toda vez eu sentisse meu coração se apertar apreensivo e descompassado.

    Gostaria de conhecer o sentimento de amor de um pai e uma mãe, ou ao menos ter o afeto das pessoas para que fizesse diminuir esse vazio em meu peito. Todos os dias eu desejava desesperadamente por isso, o mínimo de atenção. Enquanto meu pedido não se concretizava eu iria continuar vivendo um dia de cada vez, superando as dificuldades degrau a degrau e quem sabe alcançar o que eu espero estar guardado a mim. Como nos contos de fadas eu acreditava que fosse um final feliz.

    Por enquanto eu ficaria ali a servir chow mein*5. Nada parecido com os meus sonhos espetaculares e fantasiosos.

    Enquanto caminhava, algumas das minhas poucas e preciosas lembranças felizes me tomaram.

    - Nós, seres humanos somos o elemento desgarrado de nossas origens. – estava relembrando um de meus primeiros ensinamentos – Enquanto a natureza tende a se harmonizar, nós tendemos ao caos. Somos influenciados por nossas emoções e nos deixamos levar sem direção assim como o vento a soprar além dessas montanhas. Alcançar o equilíbrio entre corpo e mente é essencial para sermos um com a natureza. – fincado ao chão, a jian*6 dispersou minha atenção.

    - O que você quer dizer com isso? – disse sonolenta.

    - Transforme o negativo em positivo. – ao perceber meu desentendimento, procurou exemplificar – Aprenda a retribuir toda a hostilidade e repúdio das pessoas com boas energias.

    Aquelas palavras vindas do Mestre, se passavam feito um arrojo de evasivas para me manter contida e passiva a minha situação. No santuário eu sempre fui tratada com desprezo, considerada uma ameaça a tradição e aos costumes do santuário, um erro que sequer deveria ser corrigido. No começo achei que não fosse conseguir suportar, no entanto, eu sobrevivi e continuei firme na minha caminhada. Muito disso foi pela sabedoria respingada em conta-gotas pelo meu Mestre, ao qual eu tinha total resistência em receber. Uma cabeça dura como eu somente poderia ser vencida pela paciência dele, embora eu tenha de confessar, dúvidas ainda permeiam em minhas idéias de que coisas boas virão.

    E em qual parte eu carrego a culpa? Ainda não sei. Só sei que eu fui colocada a prova antes mesmo de ser julgada por meus próprios atos. Isso porque minha mãe cometeu o que os orientais extremistas, predominantes no santuário, consideram ser o pior dos pecados: se envolver intimamente com um ocidental. O fruto desse amor proibido, eu, Ying Zhen*7, uma bastarda de família e de pátria, que todos acreditam terá o mesmo destino. Ser ludibriada por um forasteiro e acabar só, grávida e sem um tustão furado, abandonando sua cria a própria sorte, amaldiçoando seu destino. Carregar o fardo de ser filha de uma impura e manter o círculo vicioso de ódio e desonra ao nome de sua família.

    - Ying. – a mulher estalou os dedos próximos ao meu rosto para que eu acordasse e a servisse logo. – Estou com fome.

    - Desculpe. – pela pressa, acabei derramando um pouco de comida no chão.

    - Só o mestre mesmo pra deixar esse desastre ficar aqui. – a mulher me fuzilou com os olhos.

    Fingi que nada aconteceu e continuei a servir chow mein agora com mais cuidado. Não queria desapontar o mestre Chen Ji.

    Ele acolheu-me no santuário Heng Shan*8 sob os olhares curiosos e ameaçadores de todos que aqui vivem. Por ser o guardião do santuário, todos tiveram de acatar a sua vontade, embora isso não tenha evitado as constantes ameaças e humilhações a minha pessoa. Ele foi o único que não foi desrespeitoso comigo, em nenhum momento, na verdade, as suas palavras é que me fortaleciam a cada atitude agressiva, violenta e sem sentido que eu sofri.

    Ele me apoiou incondicionalmente, principalmente quando nem eu mais acreditava em mim. Por isso, sempre que possível, eu ia visitá-lo.


    ***

    Quando Giki finalmente me liberou, com a noite já estabelecida no céu estrelado, fui ver o mestre em seus aposentos. Era bom ver um rosto amigável antes de ir dormir.

    - Entre minha jovem. – sua voz bondosa e pura confortava-me.

    - Desculpe incomodá-lo tão tarde. – entrei com delicadeza e me dispus de joelhos à entrada.

    - Não é incômodo. – ele devia estar exausto já que estava meditando há vários dias para espantar os maus agouros e trazer saúde e prosperidade neste novo ano, e em consequência disso os nossos treinos eram adiados. – Esse velho sempre se alegra em ver um rosto jovem que tem o bel-prazer em visitá-lo.

    - Sinto-me honrada que sempre me receba. – sorrimos um para outro.

    - O que a traz aqui? – ele observava o trepidar da chama da vela do altar principal em homenagem a Pangu*9. Os incensos de sândalo dispostos em todo o quarto perfumavam o local e a fumaça circulante davam um aspecto sobrenatural ao ambiente.

    - Bom. – estava um pouco envergonhada por interrompê-lo em um momento tão importante. – O festival de primavera se aproxima e dizem que devemos estar com pessoas queridas a nós. Esse ano será ainda mais especial, já que teremos o equinócio*10 acontecendo na mesma data, e eu acho... – observei a chama de um amarelo intenso, perdendo a noção do que eu dizia. – É bom estar com pessoas que não me julguem sem ao menos me conhecer.

    - Eles ainda não entendem, não é? – concordei. – Lamento que tenhas de pagar pelos erros de outrem. Um dia você será recompensada com bons frutos, tenha certeza disso.

    - Estou à espera desse dia, mestre. – apertei as mãos sobre a coxa. – É o que eu mais quero.

    - Ying Zhen, rara e preciosa águia de Nányuè, não tente apressar o tempo. – ele não retirava sua atenção da chama da vela. – Você como todos os seres vivos merece encontrar a felicidade em algum ponto de sua jornada terrestre. Eu vejo grandes acontecimentos para sua vida. Uma vida plena, ao qual terá obstáculos pesados a ultrapassar, alguns muito difíceis, mas também vejo boas coisas. Enquanto esse dia não chega concentre-se nessas palavras. – ele pousou seus olhos serenos para a imagem de Pangu. – Mesmo que digam que você não pertence a esse lugar, acredite não no que vê, mas no que você sente.

    Observei meu reflexo pelo espelho fixado à parede. Os olhos esverdeados e cintilantes, semelhantes à pedra jade, cabelos dourados como os raios de sol, e a pele branca como a neve, impossíveis de se afirmar a uma chinesa convencional. Por ironia do destino, meus traços orientais foram completamente suprimidos, restando a mim o peso de carregar o sangue de dois povos, e não pertencer definitivamente a nenhum.

    - Eu... – procurei em meu interior a resposta. – Gostaria de me parecer como uma autêntica chinesa, ser uma, mas eu não sou. Eu não sei se sou. – completei. – Estou confusa.

    - Você está em conflito com seus sentimentos por ter sido rejeitada por seu próprio povo. – ele cerrou os olhos calmamente. – Isso é compreensível. A dor que você carrega em seu peito impede que você veja com clareza. Quando essa ferida cicatrizar, você irá descobrir qual é o seu lugar.

    - Obrigada mestre. – agradeci pelas palavras reconfortantes. – Acho melhor eu me recolher.

    - Eu que agradeço a visita às vésperas do novo ano. Graças a você, eu sinto que terei um ano maravilhoso a minha espera. – ele me emocionou como sempre. – E a você também.

    - Eu digo o mesmo. – Fechei a porta vagarosamente e segui pelo corredor até a ala feminina.

    ***

    A brisa matinal também era um dos consolos a minha solidão. Antes de iniciar as tarefas da manhã eu ficava apreciando a paisagem montanhosa de Heng Shan. Dia após dia, eu acompanhei o canto das águias, as donas desse céu maravilhoso, atenuando as dores desta vida sofrida.

    - Um bom ano novo. – desejei a elas.

    Nesse momento, cortando o céu, uma águia suntuosa parecia flutuar sobre as nuvens, uma cena belíssima. Era como se ela retribuísse os meus votos de prosperidade. O vento soprou revigorante por meus cabelos. O clima ameno me instigou a cantarolar uma canção antiga que o mestre me ensinara.

    Agradecida, resolvi ir ao altar e orar. Geralmente neste horário eu costumava treinar tai chi chuan*11 com o mestre, no entanto ele se encontrava extremamente ocupado, resolvi por isso doar este tempo livre ao protetor de nosso santuário.

    A gigantesca estátua de Pangu em ouro maciço cintilava com os raios de sol a tocá-la. Ela foi posta no centro do santuário onde o selo de proteção principal ficava oculto. Desde os tempos antigos essa região é assolada por seres malignos e os fundadores deste santuário decidiram por afastá-los das fronteiras do sul da China e inevitavelmente forçando-os a irem rumo à Índia.

    Fiquei ali por um tempo refletindo sobre isso e depois fui ajudar a preparar a comida que íamos servir durante o festival de primavera. Estava um alvoroço. Tínhamos de preparar uma enorme quantidade de comida em um curto espaço de tempo. Um desafio e tanto para os serviçais da cozinha.

    - Ying, vá picar as batatas. – a moça ao meu lado ordenou.

    - Mas. – tentei argumentar.

    - O que? – ela disse impaciente.

    - A refeição do mestre. – era sempre um conforto vê-lo. Sabendo disso, ele me colocou como responsável para servi-lo.

    - Ele teve um imprevisto e teve de fazer uma viagem urgente. – ela continuou a picar as verduras com extrema desenvoltura.

    - Certo. – fui buscar o saco de batatas sem pestanejar. Com o mestre fora, eles seriam ainda piores comigo.


    ***

    O dia estava sendo puxado. Pelo visto, eu não teria tempo de me arrumar para o festival. O equinócio se aproximava a passos largos, coincidente com a vinda do ano novo, um momento importante e eu nem poderia me preparar de forma especial.

    - Pausa a todos. – Giki apareceu de surpresa na cozinha e para não dar sorte ao azar, me ocultei por detrás das panelas. – Vinte minutos.

    Os que puderam sair imediatamente foram com Giki, enquanto que os demais terminavam o que era de mais urgente.

    - Ying! – alguém gritou. – Vai ficar aí parada. Ou vai ou trabalha.

    - Desculpe. – por um instante pensei que seria injustiçada e forçada a ficar. – Vou e volto bem rápido.

    - Está esperando o que? – ele fez um gesto para eu sumir dali.

    - Obrigado Hayu. – eu tinha sérias suspeitas de que Hayu simpatizasse comigo, no entanto fosse impedido de se aproximar por ter medo do que os outros iam dizer.

    - Vamos menina! – tínhamos a mesma idade, mas ele sempre me tratava como seu eu fosse bem mais nova. Ele era bastante alto e robusto, díspar ao seu temperamento ameno e gentil. A pele amarelada, com seus pequenos olhos negros e um sorriso encantador. Ele tentava me evitar e ser áspero como os outros, embora houvesse sempre uma polidez em sua fala. Ele se esforçava, mas não conseguia ser hostil. Estava fora de sua natureza.

    Coloquei o avental dentro da gaveta e segui até a ala feminina tomando cuidado para não me encontrar com Giki. Pelo o que eu conheço dele, adoraria me colocar para trabalhar em algo se me visse perambulando por aí.

    ***

    Eu não tinha muitas roupas, sequer tinha uma para o festival, mas consegui improvisar algo que ficou razoavelmente bom. Uma blusa vermelha de seda com estampas florais em branco e um saiote creme com alguns amassados que insistiam em permanecer. Prendi o cabelo já que passaria a noite junto a Hayu servindo ao pessoal. Não seria nada higiênico se encontrassem fios de cabelo na comida, ainda mais fios dourados. Ninguém teria dúvidas de quem seria.

    Observei minha imagem refletida no espelho, poderia melhorar, mas fiz o que pude considerando o que eu tinha. Organizei os meus pertences e segui até a cozinha, admirando os raios de sol transpassar as fendas das montanhas em volta.

    - Já voltei Hayu. – ele retirou o avental e a touca de proteção e deixou as panelas sob minha supervisão.

    - Veja se está bom de tempero. – disse antes de deixar o local.

    Provei o conteúdo das panelas e me agradou como estava. Hayu era um ótimo cozinheiro. No futuro ele seria o responsável da cozinha com toda a certeza.

    Enquanto ele se encontrava ausente apenas mantive as panelas aquecidas, preferi tomar alguns cuidados para não me sujar, aguardando que ele retornasse e pudéssemos subir antes que o festival tivesse inicio.

    Quando percebi, Hayu já estava de volta no comando das panelas.

    - Ying, leve isso lá pra cima. – ele me entregou uma cesta bem pesada. – Eu vou logo em seguida.

    - Está bem. – segurei com firmeza.

    Ao sair, vi como a decoração ficava esplêndida à noite. As lâmpadas vermelhas espalhadas em todo o pátio para espantar os maus espíritos*12; figuras de dragões pintados nas paredes para trazer sorte e prosperidade*13, arranjos de flores dispostos nas pilastras encarnadas, crianças encantadas com os dragões dançarinos e as apresentações dos espadachins. Pena que o mestre não estaria aqui para ver todo o nosso esforço se transformar nessa bela festa.

    Organizei a nossa mesa, aproveitando alguns segundos para ver a alegria de todos no festival de primavera.

    - Pronta para começar? – Hayu carregava dois cestos de comida, um em cada ombro.

    - Claro. – disse muito animada.

    Hayu colocou os cestos no chão e observou um pouco o movimento.

    - Pra mim, essa será a melhor festividade. – Ele sorriu ao começar os seus afazeres, não tinha jeito mesmo, Hayu vivia para o trabalho. – Ver as pessoas felizes com a minha comida me enche de alegria. – ele sorriu docilmente para mim. – Hora vamos! Ao menos hoje você poderia abrir um sorriso.

    - Hum. – jamais pensei que ele fosse querer me animar. – Está bem. – timidamente esbocei um sorriso débil.

    - Você pode fazer melhor que isso. – ele estava mesmo falando sério. – Já vi você no observatório, sei que tem um sorriso lindo.

    - Hayu. – meu coração disparou. – ...

    Entreolhamos-nos em puro silêncio. Desconfortável com a situação, ele desviou o olhar.

    - Vamos ao trabalho. – ele me passou a faca e algumas cebolas.

    - Sim. – falei quase sem fôlego.

    ***

    Evitamos qualquer aproximação nas horas seguintes.

    - Hayu, eu preciso de um segundo. – ele entendeu do que se tratava e me liberou.

    Já havia um tempo que precisava ir ao banheiro, mas só agora nossa barraca ficou um pouco mais folgada e permitiu que um de nós saísse. Eu sabia que o show de fogos de artifício seria dali a poucos minutos, e com certeza iria perdê-lo.

    - Com licença. – tive de me embrenhar pelo amontoado de gente para chegar à escadaria principal.

    Passei pelo altar de Pangu fazendo uma singela saudação e continuei pelo corredor esquerdo. A cada passo, o som diminuía até se calar, restando um silêncio assustador. Eu não me intimidava facilmente, mas algo tenebroso pairava por ali.

    - Olá. – o aparecimento repentino de alguém me sobressaltou.

    - Giki. – havia reconhecido sua voz, um pouco embolada, mas era ele.

    - Te assustei? – ele caminhou desordenadamente em minha direção.

    Estava embriagado. Sua proximidade me permitiu sentir o cheiro forte de álcool.

    - O que você quer? – eu não gostava dele, nenhum pouco.

    - Apenas conversar. – ele debruçou-se em mim desajeitadamente.

    - Sai! – tentei empurrá-lo, mas ele forçou seu corpo contra mim.

    - Não seja tímida. – ele tentou beijar minha boca e desviei enojada. – Eu sei que você gosta.

    - Prefiro beijar a bunda de um macaco a beijar você. – disse com o pânico a crescer em meu peito.

    Giki me prensou na parede, puxando meu cabelo.

    - Adoro quando se fazem de difícil. – ele lambeu minha face enquanto eu tentava me desvencilhar.

    - Me solte. – esmurrei seu abdômen afastando-o.

    Segurei em seu pescoço fincando minhas unhas em sua pele, arrancando-lhe sangue.

    - Ahhhh. – Giki gritou de dor.

    Ele me soltou, pressionando as mãos no rosto.

    - Vadia. – ele vociferou.

    Aproveitei a oportunidade e corri sem rumo com o único intuito de fugir de Giki. Minha única chance era chegar ao pátio central, onde todos estavam concentrados. Os passos furiosos de Giki me seguiam, tinha de chegar até Hayu, ele poderia me ajudar. Não podia e nem queria imaginar o que aconteceria se Giki me alcançasse. Enquanto eu corria, os fogos de artifício inundaram o céu formando uma explosão de cores magníficas. Nem este belo espetáculo era capaz de diminuir a tensão daquele momento, Giki tentara... Era tão sujo, que eu nem queria imaginar.

    Consegui chegar até o altar de Pangu pedindo desesperadamente por proteção.

    - Por favor, eu peço encarecidamente. – ajoelhei-me ao primeiro degrau da escada do altar.

    Gritos acalorados dispersaram minha atenção. Vultos espreitavam-se pelo telhado, algo de errado estava acontecendo no local do festival. Uma invasão no santuário.

    - Impossível. – O mestre Chen Ji tomara todas as precauções. Havia selos de proteção espalhados por todo o santuário. Ninguém poderia entrar sem permissão.

    Subi no altar e por descuido derrubei algo no chão, chamando a atenção dos invasores. Ao se aproximarem percebi que não se tratavam de seres humanos.

    - Gyaaa! – uma fera de pele negra*14 rugiu preparando-se para atacar.

    A criatura transpassou suas garras em meu braço, jogando-me ao chão.

    - Ahhh! – o músculo se repuxou dolorosamente.

    Ao olhar a minha frente, uma espada de brilho dourado repousava resplandecente. Ao segurá-la senti uma descarga elétrica passar pelas minhas terminações nervosas até o cérebro. Trovões soaram em meio aos fogos de artifício acertando o invasor, tornando-se nada mais do que cinzas.

    O brilho do trovão afastou o grupo. Certamente havia selos de proteção em volta da estátua para evitar que seres mal intencionados tentassem destruir o selo principal.

    Levantei com dificuldade desembainhando a jian dourada. Repassei mentalmente os ensinamentos que o mestre Chen Ji se dispôs a me passar e transpassei a lâmina da espada no peitoral de um daqueles monstros com desenvoltura ao qual eu jamais pensara ter. Ele transformou-se em cinzas, desaparecendo.

    Outros se aproximaram com cautela, preparando-se para me golpear.

    - FUUUUMMMM! – novos raios surgiram do céu acertando-os.

    Meu corpo vacilou e não consegui suportar o peso da espada, repousando-a no piso de pedras. O sangue fluía em meu braço respingando gotas pelo chão. Ao olhar para o ferimento percebo três linhas vermelhas e profundas. Precisava fazer algo quanto a isso.

    - Ying? – alguém se aproximara e eu nem percebera.

    Levantei o rosto e me alegrei ao ver de quem se tratava.

    - Ha... yu. – meus pés tremiam e acabei caindo, por sorte, a tempo de Hayu me segurar.

    A espada fez um tilintar metálico ao cair, me alertando.

    - Onde você encontrou isso? – Hayu me questionou quase como uma acusação ao observar a espada.

    Estava enfraquecida, incapaz de pensar com clareza. Forcei meus pensamentos, conjecturando os últimos acontecimentos.

    - No altar. – meu corpo adormeceu e não sentia mais nada. O suor escorria pela minha pele, o corpo a tremer descontroladamente e o frio a penetrar em meus ossos.

    Os fogos de artifícios continuavam a embelezar o céu estrelado com a mais bela explosão de cores que eu já havia presenciado.

    - Ying. – Hayu tentou me reanimar. – Mas o quê? – ele passou seu dedo próximo ao ferimento em meu braço e aproximou de seu rosto. – Veneno. Tenho de fazer alguma coisa.

    - Obri... – tentei agradecer Hayu, mas não consegui.

    - Não fale, mantenha suas forças. – ele me carregou em seus braços.

    Finalmente meus desejos se concretizaram. Alguém me dera atenção. Uma lágrima de felicidade escorreu de meus olhos e adormeci, confiando minha vida a Hayu.










    Glossário

    MITOLOGUE [16 +] Republica-popular-da-china_381497
    *1 República Popular da China - República Popular da China (RPC), também simplesmente conhecida como China, é o maior país da Ásia Oriental e o mais populoso do mundo, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, aproximadamente um sétimo da população da Terra. É uma república socialista governada pelo Partido Comunista da China sob um sistema de partido único e tem jurisdição sobre 22 províncias, cinco regiões autônomas (Xinjiang, Mongólia Interior, Tibete, Ningxia e Guangxi), quatro municípios (Pequim, Tianjin, Xangai e Chongqing) e duas Regiões Administrativas Especiais com grande autonomia (Hong Kong e Macau). A capital da República Popular da China é Pequim. A importância da China como uma grande potência é refletida através de seu papel como segunda maior economia do mundo nominalmente (ou segunda maior em poder de compra) e como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, bem como sendo um membro de várias outras organizações multilaterais, incluindo a OMC, APEC, G-20, BRIC e da Organização para Cooperação de Xangai. Além disso, é reconhecido como um Estado com armas nucleares, além de possuir o maior exército do mundo em número de tropas e o segundo maior orçamento de defesa.

    MITOLOGUE [16 +] Hunan
    *2 Província de Hunan – Hunan é uma província da República Popular da China, tem como capital a cidade de Changshae o seu nome quer dizer "Sul do Lago" por se encontrar a sul do Lago Dongting. Para além disso é atravessada pelos rios Yangtze e Dongtin. Hunan é o província central na China, conhecida pela beleza das suas paisagens naturais e faz fronteira a Norte com Hubei, a Leste com Jiangxi, a Sul com Cantão, a Sudoeste com Guangxi, a Oeste com Guizhou, e a Nordoeste com Chongqing.

    MITOLOGUE [16 +] Aguia-americana-4
    *3 Águia - é o nome comum dado a algumas aves de rapina da família Accipitridae, geralmente de grande porte, carnívoras e de grande acuidade visual. O nome é atribuído a animais pertencentes a gêneros diversos e não corresponde a nenhuma classe taxonômica. Por vezes, dentro de um mesmo gênero ocorrem espécies conhecidas popularmente por gavião ou búteo. Suas principais presas são: coelhos, esquilos, cobras, marmotas e outros animais, principalmente roedores, de pequeno porte. Algumas espécies alimentam-se de ovos de outros pássaros e peixes. Para os povos orientais, a águia representa um dos guardiões do trovão e das tempestades, guardando o céu de qualquer ameaça.

    MITOLOGUE [16 +] Images_thumb6
    *4 Festival de primavera - é o conhecido ano novo chinês, que ocorre normalmente no fim de janeiro ou em fevereiro, variando segundo o calendário lunar chinês. Ele é o festival mais importante e alegre na China, e tradicionalmente, a atmosfera festiva permanece por quase um mês. Hoje o festival é mais curto do que era, mas ainda há pessoas que celebram como antigamente: todas as preparações são feitas com antecipação, os costumes durante o festival e as celebrações duram até duas semanas depois o festival.

    MITOLOGUE [16 +] Chow_mein5_s
    *5 Chow mein – noodle com legumes, prato bastante popular da comida chinesa.

    MITOLOGUE [16 +] Qgg
    *6 Jian - espada reta chinesa com crina de cavalo na cor vermelha, associada ao treino marcial e amarela ao treino espiritual segundo os princípios do tai chi chuan. Em combate, o pingente pode ser utilizado para distrair ou mesmo chicotear o adversário.

    *7 Ying Zhen – Ying significa águia e zhen, raro ou precioso em mandarim.

    MITOLOGUE [16 +] Hengshan5
    *8 Heng shan – é uma das cinco Grandes Montanhas do Taoísmo na China. Elas são listadas de acordo com os cinco pontos cardeais da geomancia chinesa, que inclui o centro como direção.Heng shan, grande montanha meridional ou montanha do equilíbrio e também grande montanha do sul, está situado na província de Hunan e possui 1290 metros de altura. De acordo com a mitologia chinesa, as Cinco Grandes Montanhas tiveram origem no corpo de Pangu. O monte Heng shan em Hunan teria vindo do braço direito de Pangu.


    MITOLOGUE [16 +] Pangu-02
    *9 Pangu – primeiro ser vivo e criador de todos na mitologia chinesa. É geralmente representado como um ser primitivo, peludo, gigante, com cifres na cabeça e vestindo peles de animais. No início, o universo era vazio, um caos sem forma. Ele se fundiu em um ovo cósmico, onde os princípios Yin Yang se equilibraram e acordou Pangu deste ovo. Pangu começou a tarefa de criar o mundo: separou Yin Yang com um balanço de seu machado criando a Terra (Yin turva) e o Céu (Yang claro). Para mantê-los separados, Pangu ficou entre eles e empurrou o céu. Em algumas versões, Pangu é auxiliado por quatro animais, nomeadamente a tartaruga, o Qilin, o Phoenix e o Dragão. Após 18 mil anos, Pangu foi colocado para descansar. Sua respiração tornou-se o vento, sua voz o trovão, o olho esquerdo o dom e o olho direito a lua, seu corpo tornou-se as montanhas e extremos do mundo, o seu sangue formou os rios, seus músculos as terras férteis, sua barba as estrelas, sua pele os arbustos e as florestas; seus ossos os minerais valiosos, sua medula óssea diamantes sagrados, seu suor caiu como chuva, e as pulgas em sua pele levadas pelo vento tornou-se peixes e animais em todo o país. Nüwa a Deusa, em seguida, usou a lama do leito de água para moldar a forma dos seres humanos.

    MITOLOGUE [16 +] Solsticioequinocio
    *10 Equinócio – na astronomia, equinócio é definido como o instante em que o sol, em sua órbita aparente (como vista da Terra), cruza o plano do equador celeste (a linha do equador terrestre projetada na esfera celeste), mais precisamente é o ponto no qual a eclíptica cruza o equador celeste. A palavra equinócio vem do Latim, aequus (igual) e nox (noite), e significa "noites iguais", ocasiões em que o dia e a noite duram o mesmo tempo. Os equinócios ocorrem nos meses de março e setembro quando definem mudanças de estação. Em março, o equinócio marca o início da primavera no hemisfério norte e do outono no hemisfério sul. Em setembro ocorre o inverso, quando o equinócio marca o início do outono no hemisfério norte e da primavera no hemisfério sul.

    MITOLOGUE [16 +] Taichichuan
    *11 Tai chi chuan – é uma arte marcial chinesa também reconhecida como uma forma de meditação em movimento. Os criadores do tai chi chuan basearam sua arte na observação da natureza, não apenas na observação dos animais, mas no estudo dos princípios da interação entre os diversos elementos naturais. Como o ser humano é parte desta natureza, o conhecimento destes princípios e de como atuam dentro de nós, estudados pela medicina tradicional chinesa, revelam o tai chi como uma fonte efetiva de energia que encontra-se em nosso interior, situada na região do corpo nomeada pelos chineses de dantian médio. O tai chi também simboliza o "Cosmo" e a interação, dos princípios energéticos Yin e Yang, em constante mutação, sendo conhecida a sua representação pelo tai chi tu (diagrama do tai chi), mais conhecido no Ocidente como o "símbolo do yin-yang.

    MITOLOGUE [16 +] Chinese-nian-monster
    *12 Lâmpada vermelha - Nian é uma fera que vive no fundo do mar e que vem a Terra no ano novo para devorar as pessoas, as quais tentam assustá-la dançando, estourando fogos de artifício e batendo em tambores, além de decorar tudo com vermelho, pois a fera não gosta dessa cor.

    MITOLOGUE [16 +] 250px-Nine-Dragon_Screen-1
    *13 Dragão – o dragão chinês é uma criatura mitológica das mais importantes da mitologia chinesa. É considerada a mais poderosa e divina criatura e acredita-se que seja o regulador de todas as águas. O dragão simboliza grande poder e era apoio de heróis e deuses. A dança do dragão é típica, apenas as pessoas fazem 8 filas de maneira a dividir os dançarinos com trajes rotos e borrados de tinta chinesa para alegrar espíritos antepassados.

    MITOLOGUE [16 +] RakshasaNaztharune
    *14 Rakshasa – raça de seres mitológicos humanóides ou espíritos malignos presentes na religião budista e no hinduísmo. O nome vem do sânscrito "raksha", pedir proteção, já que eram seres tão horripilantes que induziam, a quem quer que se deparassem com eles, a pedir proteção. São seres abomináveis, canibais e de mente perversa.



    Obs: Foi proposital encaixar as datas do equinócio e do ano novo chinês no mesmo dia, visto que um ocorre no mês de março e outro em fevereiro, respectivamente. Isso indica que certas coisas não estão certas, mas só contarei depois de acrescentar os personagens, o que acontecerá até mais a frente.



    Em um futuro próximo:

    Epístola 006 - O brilho do alvorecer.

    "Agarrei-me a uma promessa esquecida no tempo, e agora não sei o meu caminho."

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